A Serra do Gandarela, a Alemanha e o linhito

Vista de Mühlrose, distrito do município de Trebendorf, na parte norte de Görlitz, na Saxônia Oriental.

A aprazível cidadezinha alemã de Mühlrose, que existe desde o século XIII, vai desaparecer. Seus 200 habitantes aquiesceram com o reassentamento, mediante plebiscito, e já estão sendo realocados. A Suprema Corte lá deles autorizou e a velha comunidade, na fronteira entre a República Tcheca, Polônia e a antiga Alemanha Oriental dará lugar a uma gigantesca mina de carvão mineral, no caso o linhito, ou lignito, um carvão de baixa qualidade que é usado nas usinas termoelétricas alemãs. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, 120.000 alemães foram deslocados de centenas de pequenos povoados como Mühlrose, devorados pela mineração.

O mesmo linhito que está por debaixo das pitorescas casinhas de Mühlrose é abundante na Serra do Gandarela, onde foi descoberto e explorado por Henri Gorceix, que o descreveu magistralmente nos seus famosos trabalhos publicados nos primeiros números do “Annaes” da Escola de Minas. Guarda entre suas lâminas preciosos fósseis da flora cenozoica. Pandiá Calógeras, no seu “Relatório” de 1891 sobre a Serra, que escrevera a pedido da primeira “Companhia Exploradora do Gandarela”, já o define como impróprio para uso na indústria siderúrgica pela sua baixa qualidade, mas sugere que possa ser usado na produção de gasogênio e como combustível. Nos anos 50 do século passado, chegou a ser usado brevemente como combustível nas locomotivas da Estrada de Ferro Central do Brasil, trazido da Serra pela nova “Companhia do Gandarela” de Henrique Lage até o ramal de Rio Acima, mas depois disso não teve mais nenhum uso.

Veios de linhito na Serra do Gandarela (fotos de Paula Nahas)

Essencial para o desenvolvimento da Primeira Revolução Industrial, o carvão mineral foi a mais utilizada fonte de energia até o advento do petróleo. Ainda responde por 40% da energia elétrica produzida no mundo e na forma de coque, ainda é o principal insumo na siderurgia, essencial para transformar o minério de ferro em aço. É considerado, entretanto, o mais poluidor dos combustíveis fósseis, o que faz com que haja uma recomendação em todos os Acordos e COPs para uma redução do seu uso.

A Alemanha é um dos países mais engajados na chamada “transição energética”. Encerrou a operação de suas usinas nucleares, investe pesadamente em energia renovável e se propôs a não usar mais carvão mineral até 2038. No entanto, desde 2022, a produção de carvão vem aumentando, o que compromete a ambiciosa meta de atingir o equilíbrio entre emissões e sequestro de carbono até 2045. A explicação é simples: sem usinas nucleares e sem o gás russo desde a Guerra da Ucrânia, necessita continuar produzindo eletricidade nas suas termoelétricas a linhito, o mais pobre e o mais poluente dos carvões minerais, para manter o seu alto padrão de consumo de eletricidade. A Alemanha consome 130 milhões de toneladas de carvão, a maioria na forma de linhito. “Comparação”, como diria a Concessa, o Brasil queima 6 milhões de toneladas de suas minas, na forma de hulha, bem superior ao linhito. A decisão de acabar com Mühlrose e aumentar a produção de linhito não significa abandono puro e simples das metas climáticas, mas deixa claro que é bom ir devagar com o andor e que entre o céu e o subsolo há muito mais do que aviões de carreira.

Embora seu índice “per capita” de emissões seja menor do que o da União Europeia e da própria Alemanha e muitíssimo menor do que os campeoníssimos China e dos EE UU, o Brasil é o sexto poluidor do mundo, em bilhões de toneladas. Mas não pela queima de carvão. O linhito da Serra do Gandarela e  pode permanecer em paz.