Entre o absurdo fiscal dos aumentos salariais e a incapacidade política do Governador Romeu Zema

Na última quarta-feira, dia 30 de março/22, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou várias leis que autoriza aumentos salariais para os servidores públicos no Estado. Os reajustes aprovados para os servidores do Poder Executivo chamam a atenção pelo impacto nas contas públicas do Estado. Os aumentos salariais aprovados resultam em crescimento 150% maior das despesas de pessoal do que o previsto no projeto enviado inicialmente pelo Governador Romeu Zema. A aprovação ocorreu em ambiente de confronto com o Legislativo mineiro e em meio à greve de importantes categorias de servidores. Servidores da Segurança Pública reclamam o descumprimento pelo Governador do acordo firmado em 2019. Professores cobram pagamento do piso nacional do magistério.

A cultura política de aumento salarial em ano eleitoral

Mobilização sindical por aumento salarial em ano eleitoral é acontecimento tradicional da cultura política no Brasil. No último ano do mandato, autoridades que pretendem a reeleição, no caso em particular o Governador – seja ele candidato ou apoiador de outro candidato, assim como parlamentares que buscam se recandidatar, ficam vulneráveis às reivindicações dos servidores públicos, parcela expressiva de eleitores formadores de opinião nos rincões do Estado, quando não veem nisto uma oportunidade de reconhecimento. A este cenário, agrega-se a regra da completa falta de política de gestão cargos e salários no setor público, somada a um emaranhado de categorias profissionais com disciplinamento salarial completamente diversos, mas com responsabilidades institucionais muitissimamente similares, que se acumularam ao longo de décadas. Na própria lei aprovada pela Assembleia Legislativa (Proposição de Lei nº 25.025/22), o art. 3º lista 23 (vinte e três) grupos de atividades profissionais, dentro dos quais se multiplicam inúmeros cargos e vencimentos distintos. Isto produz um ambiente político-institucional permanentemente tenso, que se agrava ainda mais quando o poder aquisitivo sofre maior deterioração, tal como sucede com a atual conjuntura inflacionária.

Neste contexto, a maior ou menor estabilidade do ambiente institucional do setor público, ou se se quiser, a maior ou menor tranquilidade no último ano do mandato, acaba recaindo na capacidade política do Governador em administrar as pressões das categorias e de interlocução com o parlamento. Esta capacidade se refere especialmente à habilidade para se lidar com as categorias da Segurança Pública e Educação, pelo tamanho de seus contingentes e pelo impacto social de eventuais paralisações.

Resgatando-se a história recente de Minas Gerais, vemos que a maioria dos governos sofreram duros desgastes no enfrentamento com um ou outra dessas categorias. O Governador Eduardo Azeredo enfrentou o movimento grevista da Polícia Militar em 1997, que resultou na morte do Cabo Valério. Os Governadores Aécio Neves e Antônio Augusto Anastasia tiveram que lidar com longas e desgastantes greves dos professores. O Governador Fernando Pimentel, apesar de ter firmado um acordo com excelentes resultados para os profissionais da educação ainda em 2015, sofreu uma greve da categoria no último ano de seu mandato.

Confronto de Zema com os servidores

Já o Governador Romeu Zema conseguiu emplacar o desgaste com ambas as categorias. Com a Segurança Pública, chegou a avançar em um acordo em 2019. Validou reajustar os salários dos servidores da segurança em 41,7%, sendo 13% em julho de 2020, 12% em setembro de 2021 e mais 12% em setembro de 2022. Entretanto, quando após aprovação da lei pela Assembleia, vetou as duas parcelas de reajuste, que ele próprio havia incluído no projeto de lei, deixando de honrar 24,0% de reajustes, sob a alegação de dificuldades financeiras para cumpri-lo. Desse modo, no último ano do mandato, colheu a tempestade perfeita que plantou, com a gravíssima paralisação desses servidores desde o final do mês de fevereiro de 2022.

Com os profissionais da Educação, conseguiu atravessar o mandato sem maiores solavancos até deixar, em 2021, em Restos a Pagar Não Processados– portanto, recursos sem gastar – no montante de R$ 1,002 bilhões referentes a aportes do FUNDEB-Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica, como mostra o Anexo 8 do Relatório Resumido de Execução Orçamentária – RREO do 6º bimestre de 2021 publicado. Naturalmente, o impacto da eventual correção dos vencimentos da educação de acordo com o índice de reajuste do Piso Nacional do Magistério (33,24%) é muito maior do que o saldo (Veja Tabela 1). Porém, isso, certamente, constituiu forte argumento para mobilização da categoria, conforme Nota Técnica divulgada pelo sindicato da categoria, que entrou em greve no mês de março.

O tensionamento de Zema com a Assembleia

Além disso, o Governador Romeu Zema manteve uma interlocução tensa durante todo o seu mandato com a Assembleia Legislativa. Vale lembrar o não encaminhamento pela direção da Casa do pedido de aprovação do Regime de Recuperação Fiscal encaminhado pelo Governador em regime de urgência e a cobrança em 2021 pela Assembleia do informe do saldo das contas bancárias do Estado. O pedido de urgência foi levado pelo Governador ao Supremo Tribunal Federal-STF e retirado para tramitação do projeto de lei do reajuste. À cobrança de transparência, o Governador resistiu bravamente sem dar publicidade à informação básica da Administração Pública (o montante de recursos disponíveis) com apoio do Judiciário, na contramão de todos os valores básicos de responsabilidade fiscal, que têm orientado o setor público no país nos últimos anos.

Ao enviar o projeto de lei de reajuste salarial no início do mês de março apenas com correção inflacionária, o Governador Zema conseguiu explicitar a crise de legitimidade de seu governo, latente desde a sua trajetória eleitoral. Além de provocar as greves das categorias mais mobilizadas de servidores do Estado, conseguiu também que os deputados estaduais aprovassem uma proposição de lei sem realismo fiscal e que lhe imporá um imponderável desgaste, em caso de veto aos percentuais aprovados

O Governador Zema enviou projeto de lei prevendo reajuste de 10,06%, correspondente à variação inflacionária segundo o IPCA de 2021. De acordo com a Secretaria de Planejamento do Estado de Minas Gerais, o Estado só poderia conceder o equivalente a perdas inflacionárias. Embora não se trate exatamente dessa restrição, é fato que a gestão fiscal do Estado de Minas Gerais está sujeita a exigências do PAF – Programa de Ajuste Fiscal conduzido pela Secretaria do Tesouro NacionalSTN, que monitora a variação das despesas primárias, com sanções administrativas no eventual descumprimento.

Resposta dos deputados ao Governador

No contexto das greves, da precariedade de interlocução política com o Palácio Tiradentes e do ano eleitoral, os deputados estaduais conceberam um substitutivo com outros percentuais de reajuste. Além do percentual proposto pelo Governador Romeu Zema, confirmaram o acordo firmado pelo Poder Executivo com os servidores da Segurança Pública, totalizando 24,06% de aumento. Do mesmo modo, para a Educação, além dos 10,06%, aprovaram mais 33,24% referentes à atualização do Piso Salarial Profissional Nacional do Magistério. Para a Saúde, com objetivo de valorização de seus profissionais frente à pandemia de Covid-19, aprovaram 14% adicionais de reajuste. Para a Segurança Pública, a Assembleia acolheu ainda a proposta que o Governo fez de ampliação do valor anual do Auxílio Fardamento como alternativa à concessão das duas parcelas de aumentos suspensos. Ademais, como reza a sabedoria popular, botaram ‘remendo branco em pano preto’, estendendo, para os aposentados da Segurança, o benefício em questão criando o inusitado instituto de ‘auxílio social’, como forma de superar o fato de que inativo não precisa de farda, solução visivelmente contaminada de ilegalidades…

O impacto dos reajustes nas contas de Minas

A proposição de lei aprovada pela Assembleia representa um aumento estimado de 25,12% da Folha Total de Salários do Estado de Minas Gerais (Veja Gráfico 1), contra os 10,06% previstos no projeto de lei enviado pelo Governador. A folha da Educação deverá crescer 43,3% e a de Segurança Pública, 24,06%.

Não resta dúvida de que o incremento resultante da proposição de lei aprovada pelos deputados aprofunda a crise fiscal do ainda gravemente combalido Estado de Minas Gerais. Considerando-se os dados de despesas com pessoal de 2021 do Portal da Transparência, a Folha Total de Pagamento de Pessoal dos servidores estaduais de Minas Gerais deverá passar de cerca de R$ 56,451 bilhões/ano (Veja Tabela 1) para R$ 70,632 bilhões, correspondendo a um acréscimo anual de despesas de R$ 14,180 bilhões.

Vale ainda lembrar que, a partir de 2023, deverão cessar os efeitos da liminar conquistada pelo Governador Pimentel, que suspendeu o pagamento da dívida do Estado de Minas Gerais com a União, o que implicará cerca de R$ 9,0 bilhões adicionais de despesas anuais. Em suma, para 2023, acumulado o desgaste das contas de 2022 gerado eventualmente pelo pagamento dos aumentos aprovados, serão mais R$ 22 bilhões a pagar. Neste cenário, qualquer que seja o próximo Governador eleito, as contas de Minas ficarão praticamente inadministráveis. E não será difícil concluir o que mais pesou para esse cenário: se foi o absurdo dos aumentos dos servidores de Minas aprovados pela Assembleia ou se foi a incapacidade política de governar do Governador Romeu Zema.

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