A Copasa, concessionária estadual de abastecimento de água e esgotamento sanitário em Minas Gerais, é, ao lado da Cemig, um dos alvos principais da cruzada privatista do Governo Zema. Criada em 1974 a partir da fusão da empresa estadual COMAG e do DEMAE – Departamento Municipal de Água e Esgotos, integrante da Administração da Capital, a Copasa hoje tem presença expressiva em Minas Gerais, detendo a concessão de abastecimento de água em 75% dos municípios do estado (640 municípios; 631 em operação), e de esgotamento sanitário em 36% (310 municípios; 266 em operação).
Em sua história recente, dois marcos impostos na gestão de Aécio Neves (PSDB) no governo estadual definiram a orientação da forma de atuação da Copasa na prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário: (i) a oferta pública inicial de ações (IPO) da Companhia na Bovespa, em 2006; e (ii) a criação da agência reguladora (ARSAE-MG) por meio da Lei nº.18.309/2009. Alguns dos efeitos desses marcos são evidenciados nas séries históricas de suas demonstrações de resultados dos exercícios (DRE’s) no período 2006 a 2020, encaminhadas pela Copasa à Comissão de Valores Mobiliários – CVM, e junto ao banco de dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS.
Verifica-se, por exemplo, que no período 2006-2021 a inflação acumulada (IPC-IBGE) foi de 141,41%, enquanto as tarifas da Copasa foram reajustadas em 199,74%, portanto 41,3% acima da inflação. Estes reajustes fizeram com que a Copasa migrasse da posição de 18ª tarifa mais cara entre as concessionárias estaduais em 2003 para a 9ª em 2006, ano da oferta pública inicial de ações, e para a 8ª em 2020. O reajuste acumulado das tarifas da Copasa entre os anos de 2006 e 2020 teve uma taxa média de 6,86% a.a. Observa-se, portanto, um cenário aonde as tarifas vão além da sustentabilidade financeira da empresa, possibilitando a garantia de resultados financeiros positivos e a remuneração dos acionistas da empresa.
Observa-se, ainda, que a taxa anual de reajuste das tarifas praticadas se mostrou superior às taxas de crescimento da estrutura de prestação dos serviços da Copasa verificadas no mesmo período, conforme apurado junto ao SNIS.
A Lei 6.404/76 (Lei das S.A.) faz com que a Copasa distribua aos seus acionistas um percentual mínimo dos lucros apurados em cada exercício. O Gráfico 1 apresenta os percentuais do lucro que foram destinados aos acionistas, em detrimento de sua aplicação em investimentos na ampliação e na qualidade dos serviços prestados:
A distribuição de lucros superou de modo sistemático o mínimo estatutário de 25% (alterado no Governo Zema para 50% em 2021). A elevada distribuição de lucros, em detrimento dos investimentos em saneamento, se agrava após 2017 em razão da crítica situação fiscal do estado, lembrando que pouco mais de 50% dos valores distribuídos vão para o caixa do governo mineiro, acionista majoritário da empresa.
Ressalta-se que em, menos de três anos de Governo Zema, a Copasa distribuiu em média 72% dos lucros, sendo que, em 2020, a distribuição de dividendos, no montante de R$ 1,048 bilhões, superou o lucro líquido apurado no período, correspondendo a um índice de 128,3%. O Gráfico 2 apresenta o percentual dos investimentos realizados pela Copasa em relação à distribuição de lucros aos acionistas em cada exercício:
Após 2017, com agravamento da situação fiscal do estado, fica evidenciada a priorização de distribuição de recursos aos acionistas em detrimento dos investimentos da Copasa. Em todo o histórico pós-IPO, os investimentos da Copasa superaram a distribuição de lucros. Entretanto, nos três anos incompletos do governo Zema essa situação se inverteu: a distribuição de lucros aos acionistas foi, em média, equivalente a 132% dos investimentos realizados pela Companhia. Além do aumento do montante distribuído, houve também redução dos valores investidos no Governo Zema. A média dos investimentos na Administração Pimentel foi de R$665,75 milhões/ano. Na Administração Zema, essa média caiu 26%, sendo de R$524,91 milhões/ano.
Vê-se, com isso, que o Governo Zema magnificou a extração de recursos do saneamento, direcionando-os aos acionistas privados e ao caixa de seu governo, deixando de modo muito claro que, a despeito de ainda persistir um déficit significativo no Estado – 17,3% e 26,1% da população sem acesso aos serviços de abastecimento de água e de esgotos sanitários – o saneamento básico não é uma prioridade no Governo Zema. Um ponto importante que também diferencia a Copasa de Zema daquela dos demais governos diz respeito ao planejamento dos investimentos da Copasa e seu percentual de realização. Percebe-se do Gráfico 3 que, nos três anos do Governo Zema, o percentual de realização dos investimentos programados (média de 49,1%) caiu significativamente em comparação às médias no período 2011 a 2018 (83,6%).
Dois destaques nesse contexto: (i) Nos três anos da Administração Zema a média de investimentos foi R$481,17 milhões ao ano, correspondendo a apenas 64% da média anual dos investimentos realizados entre 2011 e 2018 (R$ 743,50 milhões ao ano); e (ii) embora tenha sido elevado o patamar dos investimentos programados de R$ 650 milhões em 2018 para R$ 816 milhões e R$ 1.306 milhões em 2020 e 2021, respectivamente, os investimentos realizados nesses anos (R$ 327 milhões e R$ 597 milhões) foram inferiores àqueles realizados em 2018 (R$ 686 milhões), enquanto a distribuição de lucros pela Administração Zema foi quase 70% superior à média realizada no período 2011-2018.
A despeito dos aportes ao caixa do governo, magnificados no período 2019-2021, o Governo Zema já manifestou inúmeras vezes a intenção de privatizar a Copasa. Certamente, em um cenário onde o saneamento básico não consta das prioridades do Governo, a ânsia em privatizar a Copasa vai além da ideologia do estado mínimo: em vista da crise fiscal do estado, essa alternativa se apega na expectativa do aporte imediato de uma outorga de dezenas de bilhões de reais, mais vantajosa, portanto, que a paulatina captação de recursos pelo estado através da distribuição dos lucros da Companhia, e, ainda, eliminando o enfrentamento das contestações aqui e ali sobre a frequente sangria dos recursos da Copasa. Para isso, Zema buscou apoio do BNDES em 2020 para estudos de desestatização da Copasa.
No debate sobre a privatização de uma empresa estadual de saneamento, é indispensável considerar sua participação em aspectos que referenciam o papel institucional do estado, e dentre esses destacam-se a redução de desigualdades e a oferta de oportunidades aos municípios menos favorecidos social e economicamente.
Os dez municípios mais populosos de Minas Gerais concentram 30,3% da população urbana do estado, e apenas 2,3% de sua população rural. Em contrapartida, os 427 municípios (50% dos 853) menos populosos concentram apenas 7,5% da população urbana e pouco mais de 27% da população rural.
O objetivo de uma empresa privada é o lucro, e é grande o contingente mineiro de municípios com pequena população, portanto com pouca capacidade de geração de receita para remunerar os investimentos necessários à universalização do saneamento básico: são 614 municípios, 72% do total, com população inferior a 15 mil habitantes. Além disso, os dados do CECAD – Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico referentes a novembro de 2021 indicam que 32% da população mineira (quase 6,5 milhões de pessoas) se encontra em situação de vulnerabilidade econômico-financeira: 16% em Extrema Pobreza (renda per capita familiar até R$89), 4% em Pobreza (renda per capita familiar entre R$89 e R$178), e 12% em Baixa Renda (renda per capita familiar entre R$178 e meio salário-mínimo). Sem o aporte de recursos não onerosos, inviável no caso de concessões privadas, as tarifas necessárias para dar sustentabilidade econômico-financeira à operação dos sistemas certamente esbarrará na modicidade de preços e na baixa capacidade de pagamento dos usuários, com risco de exclusão das pessoas do acesso à água e ao esgotamento sanitário, um direito humano reconhecido pela ONU em 2010, com anuência do Brasil.
Pelo disposto no art. 14, §4º, IV e §§ 15 e 17 da Constituição do Estado de Minas Gerais, a privatização da Copasa requer lei específica autorizativa da ALMG e sua submissão a referendo popular. A eventual decisão de tirar do estado o controle da Copasa significará renunciar o direcionamento de seus investimentos aos municípios mais necessitados do apoio interfederativo, competência do estado expressa no art. 41, III da Constituição Mineira. Além disso, significará também renunciar aos recursos advindos da distribuição de lucros da Companhia. Entre 2019 e 2021, o estado recebeu da Copasa cerca de R$770 milhões referentes à distribuição de lucros. Esse montante supera a soma do total das despesas do estado no mesmo período com as áreas de Ciência e Tecnologia, Habitação, Saneamento e Urbanismo, que foi de R$740 milhões.
A eventual privatização da Copasa, portanto, atenderá apenas a requisitos ideológicos do Governo liberal que hoje ocupa a cadeira decisória em Minas Gerais, e a sua estratégia política de contornar parcialmente o déficit fiscal do estado, sem considerar os impactos sobre a população mineira.