Desde a Crise do Subprime, há uma década atrás, mudanças relevantes vêm ganhando contorno nas finanças globais. Novos temas vem se impondo, desde o início do século XXI, na agenda da iniciativa privada e do setor público como ESG- Environmental, Social and Governance” e ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, como se fosse temáticas apenas de natureza modernizante. O ESG é uma agenda formalizada em 2005 por 20 (vinte) instituições financeiras de 9 (nove) países diferentes – incluindo do Brasil, que propõe diretrizes e recomendações sobre como incluir questões ambientais, sociais e de governança na gestão de ativos, serviços de corretagem de títulos e pesquisas relacionadas ao tema, propostas no documento “Who Cares Wins” (Ganha quem se importa). Já os ODS compõem a Agenda 2030 de desenvolvimento global com 17 (dezessete) objetivos ancorados em 169 (cento e sessenta e nove) metas em busca da construção de um mundo mais justo, mais digno, mais inclusivo e sustentável.
Essas novas agendas, incluída aí a promoção ‘desenvolvimento verde’ conforme conceituado nas iniciativas do Green New Deal, compõem, na verdade, uma nova estratégia global de financiamento do desenvolvimento com participação ativa e renovada do capital financeiro global.
Daniela Gabor, professora associada de economia na Universidade do Oeste da Inglaterra, Bristol, PhD em Bancos e Finanças pela Universidade de Stirling (2009) , explica que isso conforma o Consenso de Wall Street, novo modelo liberal de desenvolvimento, que veio substituir as diretrizes do Consenso de Washington. Como ela lembra, essa não é uma interpretação, mas um clara declaração de intenções como afirma o Presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim:
Temos que começar perguntando rotineiramente se o capital privado, em vez do financiamento do governo ou da ajuda de doadores, pode financiar um projeto. Se as condições não forem adequadas para o investimento privado, precisamos trabalhar com nossos parceiros para reduzir o risco de projetos, setores e países inteiros.
Em seu artigo, The Wall Street Consensus (2021), ela aponta que o Consenso de Wall Street constitui um esforço destinado a reorganizar as intervenções de desenvolvimento em torno de parcerias envolvendo as finanças globais. Este esforço está orientado pela agenda ‘Maximizing Finance for Development – MFD’, Maximização das Finanças para Desenvolvimento, uma abordagem do Grupo Banco Mundial para alavancar sistematicamente todas as fontes de financiamento, conhecimento e soluções para apoiar o crescimento sustentável dos países em desenvolvimento, com foco nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS. De acordo com o Banco Mundial, o cumprimento dos ODS exige encontrar soluções capazes de reunir todas as fontes possíveis de financiamento, inovação e experiência, tais como do GBM – BIRD, AID, IFC e MIGA para ajudar os países a transformar setores para reduzir a pobreza e a desigualdade e apoiar o crescimento.
Essa ‘agenda de bilhões a trilhões de dólares da ONU‘, o MFD ou a ‘Infraestrutura como uma Classe de Ativos‘ (Infrastructure as an Asset Class) do G20 são as pactuações globais do capital financeiro responsáveis por atualizar o Consenso de Washington para a Era do Excesso de Portfólio (portfolio glut), para ‘conduzir’ investidores institucionais globais (Norte) e os gestores de seus trilhões em direção às classes de ativos de desenvolvimento. As agências multilaterais falam em excesso global de poupança (global saving glut). Tal excesso refere-se à ‘insuficiência das intenções de investimento’, a ‘uma situação em que a poupança desejada excede o investimento desejado’, tal como expresso na preocupação externada em 2005 por Ben Bernanke, Presidente do Federal Reserve, Banco Central dos Estados Unidos, com o “aumento significativo na oferta global de poupança’. Entretanto, Gabor não concorda como argumentou em postagem em 2020:
Não devemos pensar em ‘excesso de poupança’, mas em ‘excesso de portfólio’ ao enquadrar este momento no superciclo da globalização financeira: os trilhões de investidores institucionais, principalmente do Norte Global, em busca de rendimento, muitas vezes em países emergentes.
O ‘excesso de portfólio’ é importante não apenas para desmantelar o espantalho da neutralidade da globalização financeira que está surgindo no debate, mas para refletir sobre as consequências da mudança para as finanças baseadas no mercado em países emergentes
Em seu artigo, a profa. Gabor destaca que, no ‘lançamento do Maximizing Finance for Development, em 2017, o Banco Mundial prometeu aos investidores globais US$ 12 trilhões em oportunidades de mercado, incluindo transporte, infraestrutura, saúde, bem-estar, educação‘, a serem implementadas por meio de parcerias público-privadas – PPPs. Nesse modelo contratual bem conhecido dos brasileiros, o setor privado se compromete a financiar, construir e gerenciar serviços públicos, com o compartilhamento dos riscos por parte do Estado, que garante fluxos de pagamento aos operadores da PPP .
Para que essa nova estratégia de desenvolvimento passível de investimento por parte do capital financeiro tenha sucesso, Gabor aponta que é necessário se considerar uma estratégia de duas frentes: (i) envolver o Estado em ativos de desenvolvimento à prova de risco e (ii) acelerar a transformação estrutural dos sistemas financeiros locais em direção ao financiamento baseado no mercado do modo que melhor acomodar os investidores em carteiras. Segundo ela, o Consenso de Wall Street se orienta por 10 (dez) mandamentos políticos destinado a forjar o “estado sem risco”. Eles pretendem criar uma rede de segurança para investidores em ativos de desenvolvimento, protegendo seus lucros dos riscos de demanda associados a ativos de infraestrutura mercantilizados, assim como de riscos políticos associados a políticas (progressistas) que poderiam ameaçar fluxos de caixa, incluindo nacionalização, salários mínimos mais altos e, criticamente, regulação climática, além dos riscos de liquidez e cambial. Esses riscos são transferidos para o balanço do Estado. O novo paradigma de “desenvolvimento como redução de risco” restringe o escopo para um ‘estado de desenvolvimento verde ‘que poderia projetar uma transição justa para economias de baixo carbono.
Dez Mandamentos do Consenso de Wall Street
- Disciplina fiscal, independência do banco central
- Gastos públicos: reduzir o risco de novas classes de ativos | ‘Infraestrutura como uma classe de ativos‘ e ‘Natureza como uma classe de ativos‘
- Reforma da sustentabilidade: articular classificações ambientais, sociais e de governança (ESG) com as prioridades dos ODS
- Financiamento sustentável de títulos em moeda local: construção de finanças baseadas no mercado, priorizar a securitização, garantia dos preços dos títulos (criador de mercado de último recurso)
- Facilidades de hedge e swapper de último recurso para moedas de risco para investidores (institucionais)
- Globalização financeira (sem controles de capital)
- Promoção de fluxos de portfólio
- Privatização de fundos de pensão para mobilização de recursos domésticos/PPPs (Privatização) para ‘infraestrutura como uma classe de ativos’
- Política de redução de risco: remoção de barreiras regulatórias para PPPs e finanças baseadas no mercado
- Capitalismo de vigilância/Screen New Deal