Estado de coisas inconstitucional da dívida: Governo do Rio faz o que setores progressistas defendem

Governadores do Consórcio de Integração dos Estados do Sul e Sudeste-COSUD em jun/23

O Governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (Partido Liberal-PL), entrou com ação cível no Supremo Tribunal Federal – STF, no dia 26 de abril, pedindo a concessão de tutela de urgência e imposição de obrigação de não fazer, tendo em vista a violação ao princípio federativo (art. 1º, caput, e 18 da CRFB) e ao princípio da isonomia (art. 5º e art. 19, II da CRFB), ao longo de décadas de cobranças indevidas e de imposição e regras leoninas e inconstitucionais para a renegociação da dívida pública estadual por parte da União Federal. A ação, ao contrário do que o Governo de Minas Gerais vem fazendo, ação tem como foco afastar o “estado das coisas inconstitucional” do pagamento da dívida, declarando a “inexistência da relação jurídica obrigacional entre a União Federal e o Estado, no que diz respeito à exigência da dívida consolidada”, conforme consta do “Pedido Principal” da ação (pp. 51). Enquanto isto o Governador Romeu Zema, com o apoio de setores progressistas, aguarda mais um prazo para negociar termos supostamente mais favoráveis para federalização das estatais mineiras (Cemig, Codemig e Copasa), sem qualquer expectativa de que mudem os termos escorchantes de cobrança, que voltarão a incidir a partir de algum momento.

A iniciativa do Governador Cláudio Castro segue a trajetória de contestação que setores progressistas vem percorrendo há algumas décadas, como é o caso da Auditoria Cidadã da Dívida. A associação mostrou em várias iniciativas que a União cobrou três vezes a mesma dívida dos estados e multiplicou a dívida por cinco.

A dívida dos Estados assumida pelo Governo Federal, sob pretexto de seu refinanciamento (Lei nº 9.496/97), mais da metade referente a supostos rombos de bancos estaduais, nunca devidamente investigados, era inicialmente de R$ 112 bilhões. Entre 1997 a 2019, os estados pagaram à União a soma de R$ 357 bilhões de juros e amortizações, o que corresponde ao triplo da dívida inicial. Mesmo assim, em 2020, essa dívida já alcançava a cifra de R$ 565 bilhões, ou cinco vezes a dívida inicial, devido à cobrança de juros sobre juros.

A ação impetrada pelo Governo do Rio apresenta direta e duramente argumentos para explicar “por que se chegou a esse verdadeiro ‘estado de coisas inconstitucional’” (pp. 2). Três razões são detalhadas para mostrar como a dívida tornou-se uma “dívida impagável”. Expõe que (i) “desde que a União Federal assumiu a dívida dos estados e as renegociou, o fez mediante a imposição de acréscimos moratórios leoninos”, fazendo com que o saldo devedor tenha crescido exponencialmente não revisado, o que acabou questionado por leis posteriores. Explica que, no início dos anos 2000, (ii) “a forte pressão por limites à oneração dos estados levou à fixação de um teto para pagamento da dívida pelos Estados (12% de suas receitas e, após 13%)”, o que gerou um ‘efeito de acumulação do saldo’, “que eram ‘rolados’ para o período seguinte, sujeitos às mesmas taxas leoninas e irrazoáveis”.

Finalmente, argumenta que o (iii) “regime de recuperação fiscal instituído pela LC nº 159/2017, ao qual o Rio de Janeiro foi o ‘único’ a aderir, “contribuiu para a ‘explosão da dívida fluminense”. Ressalta que a abusividade desse regime ficou expresso com a edição do novo regime de acordo com a LC nº 178/2021, “que, de toda forma, nada alterou em relação ao valor da taxa de juros vigente, à previsão de correção monetária e ao saldo do débito, sem criar condições para o equacionamento da dívida pública estadual”.

A ação do Governador Cláudio Castro pede, na eventualidade de não ser reconhecido o “estado de coisas inconstitucional”, o que, certamente, caso venha a ocorrer, abrirá um novo momento para estados endividados tal como Minas Gerais (pp.51-52). Pede que seja imposta à União a obrigação de fazer o recálculo da dívida pública, extirpando valores indevidos e ilegalmente nela incluídos. Pede também seja imposto à União a obrigação de que o “novo cálculo da dívida pública e das parcelas de juros e demais encargos seja estabelecido de acordo com parâmetros compatíveis com as demais despesas públicas, como regime previdenciário e vinculações constitucionais”.

Finalmente, a ação do Estado do Rio de Janeiro demanda que seja imposto à União novo modelo de compensação de fato das perdas de arrecadação em razão da LC nº 194/2022. A LC 194/22 passou a considerar a incidência do ICMS sobre combustíveis, comunicações, energia elétrica, gás natural e transporte coletivo como bens essenciais e determinou que Estados e Distrito Federal reduzissem as alíquotas para o valor modal de 17% ou 18%.

Enquanto isso, a negociação da dívida de Minas Gerais está em pauta no Supremo Tribunal Federal – STF. O Ministro Nunes Marques prorrogou, em 19 de abril, o prazo para o Estado aderir ao Regime de Recuperação Fiscal – RRF por mais 90 dias. Os ministros do STF estão analisando se confirmam ou não essa decisão. A sessão virtual vai até 17 de maio. A dívida do estado com a União é de cerca de R$ 160 bilhões. A adesão do RRF irá, mais uma vez, implementar a trágica realidade relatada pelo Estado do Rio de Janeiro em sua ação.