Desmistificando a gestão fiscal do Governo Zema

O Doutor em Economia Danilo Jorge mostra que, embora durante o Governo
Zema
tenha sido revertido o déficit, esse cenário foi fruto do crescimento inercial da receita e não de esforço para reorganização das contas públicas e encontra-se ameaçado pelo retorno do pagamento da dívida de Minas Gerais.

A pouco mais de seis meses do final do mandato de Romeu Zema (Partido Novo), já é possível fazer um balanço prévio de sua gestão. A breve análise feita a seguir ficará restrita à dimensão fiscal e financeira, tendo como base alguns indicadores sintéticos que permitem verificar as condições gerais das contas públicas, bem como de seus principais determinantes. Com base nas informações aqui sistematizadas, evidencia-se que, contrariamente ao que vem sendo divulgado nas peças promocionais e publicitárias do governo estadual, a gestão do Governo Zema não pode ser classificada de “diferente” nem muito menos de “eficiente”.

Cabe observar, inicialmente, que o atual governo logrou, de fato, reverter a posição deficitária das finanças estaduais. Conforme demonstram os dados organizados abaixo, foram obtidos superávits primários crescentes desde 2019, alcançando valor substancial de 1,2% do PIB – Produto Interno Bruto em 2021. Esse superávit primário expressou um esforço fiscal da ordem de 1,7% do PIB desde 2018, o equivalente a cerca de R$ 13 bilhões. Interessa, então, verificar como este resultado foi alcançado.

As informações sistematizadas evidenciam, de forma inequívoca, que a melhora das contas públicas de Minas Gerais foi alcançada estritamente em razão de ganhos de receitas, tendo em vista que as despesas primárias permaneceram praticamente inalteradas proporcionalmente ao PIB.

Enquanto as receitas tiveram incremento superior a 13%, passando de 12,0% para 13,6% do PIB entre 2018 e 2021, os gastos primários tiveram moderada variação negativa de 0,1 ponto percentual no mesmo período. Em valores absolutos, os gastos primários aumentaram mais de R$ 23 bilhões nos anos em referência, o que significou elevação nominal acima de 30% e superior à inflação acumulada de 20% (IPCA) do período.

O ajuste fiscal realizado pelo governo Zema foi ancorado, portanto, pelo lado da receita, tendo sido viabilizado, principalmente, pelos seguintes fatores.

  • 1. A Receita Tributária cresceu acima da inflação e da variação do PIB mineiro entre 2018 e 2021, acumulando alta de cerca de 3% em relação ao PIB e de quase 34% em termos nominais. Assim, o caixa do governo contou com reforço adicional de receitas tributárias de R$ 19 bilhões. O ICMS, principal fonte de financiamento do estado, condicionou este desempenho, com ampliação de R$ 16 bilhões.
  • 2. A Receita de Transferências teve também desempenho significativo e acumulou expansão nominal de mais de 28% no mesmo período, representando ampliação de recursos superior a R$ 8 bilhões. Vale notar que, durante o governo de Fernando Pimentel (PT), a receita de transferência acumulou perda absoluta (-13% em termos nominais) e relativa (-27% em proporção ao PIB), explicitando o cerco financeiro a que foi submetido pelo governo federal na gestão de Michel Temer (MDB).
  • 3. O caixa do governo estadual foi também reforçado por receitas extraordinárias advindas do Acordo de Reparação do crime ambiental da Vale em Brumadinho: este acordo judicial envolveu montante de R$ 11 bilhões, sendo que parcela de R$ 3,4 bilhões (0,4% do PIB) foi apropriada no orçamento no exercício fiscal de 2021. No primeiro quadrimestre de 2022, outra parcela de R$ 1,14 bilhão foi incorporada ao orçamento do estado, somando um ganho extraordinário de receitas de mais de R$ 4,5 bilhões.

Além desses eventos que incidiram diretamente sobre o orçamento, melhorando substancialmente as condições de financiamento do estado, pelo menos outros dois fatores foram cruciais para atenuar as restrições fiscais e abrir espaço para a sustentação de gastos e, sobretudo, para a regularização de algumas pendências financeiras do governo, entre as quais cabe citar aquelas relacionadas com o salário dos servidores. Um primeiro fator a destacar diz respeito ao não pagamento integral do serviço da dívida, viabilizado por meio de oito liminares obtidas junto ao Supremo Tribunal Federal em Ações Cíveis Ordinárias (ACO). Com isso, o Governo Zema deixou de desembolsar em juros, encargos e amortização de dívida mais de R$ 10 bilhões em média por ano entre 2019 e 2021, abrindo espaço no orçamento para a sustentação de outros gastos.

Outro fator que atenuou as restrições orçamentárias foi a ampliação das Despesas Inscritas em Restos a Pagar Processados – que abrangem os dispêndios cujo pagamento encontra-se pendente, conformando uma dívida de curto prazo. Trata-se, portanto, de um mecanismo precário de autofinanciamento do governo. No Governo de Romeu Zema, os restos a pagar processados foram ampliados em quase R$ 26 bilhões, passando de 3,3% para 5,7% do PIB.

Essas informações fiscais, embora sintéticas, são suficientes para evidenciar que a gestão de Romeu Zema foi sendo favorecida gradualmente por condições mais favoráveis de financiamento dos gastos públicos, o que proporcionou melhora do fluxo de caixa do Estado, permitindo a geração de superávits primários crescentes, a recuperação pontual de gastos estratégicos (como os investimentos) e a regularização de algumas pendências do governo, como o parcelamento dos salários dos servidores.

Contudo, essa melhora das condições de financiamento foi calcada em fatores não recorrentes e precários, entre os quais os que foram aqui citados: receitas extraordinárias (Acordo Judicial da Vale), suspensão temporária das obrigações financeiras, efeito inflacionário sobre as receitas tributárias e a ampliação dos restos a pagar processados.

Mas a despeito de ter contado com condições de financiamento mais favoráveis, Governo Romeu Zema não encaminhou nenhuma medida visando a reorganização das finanças estaduais. Ao contrário, além de não ter buscado bases mais sustentáveis de financiamento, manteve a estrutura de gastos inalterada.

Pode-se dizer, portanto, que a inação foi a característica mais demarcada da gestão de Romeu Zema, na medida em que a decisão estratégica foi a de “jogar parado”, aproveitando a melhoria temporária e extraordinária do fluxo de caixa, para amenizar certos impasses em alguns componentes fiscais e financeiros das contas estaduais, mas de forma apenas pontual, episódica, precária e provisória.

A mesma estratégia inócua, que apenas encobre problemas e adia soluções, é replicada pela gestão de Romeu Zema por meio da defesa intransigente que tem sido feita a favor da adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Caso venha a ser efetivada, a adesão ao RRF terá um único impacto sobre as contas estaduais: melhorar o fluxo de caixa e atenuar certas rigidezes orçamentárias, mas apenas temporariamente, por meio da diminuição provisória do pagamento dos serviços da dívida e da suspensão, também momentânea, de algumas restrições fiscais e legais.