Gabriella Besanzoni, uma Diva em Rio Acima

Gabriella Besansoni ao lado do Presidente Getúlio Vargas, em recepção na Villa Gabriella. Atrás, de gravata, Henrique Lage

No dia 28 de fevereiro de 1942, Gabriella Besanzoni Lage desembarcou na estação ferroviária da pequena localidade de Rio Acima, Minas Gerais, então distrito do município de Nova Lima. Viajara à noite toda no “Noturno Mineiro”, da Estrada de Ferro Central do Brasil que saía do Rio de Janeiro com destino a Belo Horizonte. Na manhã seguinte, prosseguira viagem até Rio Acima, também servida pela Central do Brasil, onde tinha um importante compromisso a cumprir  logo ali, nas cercanias da Estação.

Gabriella Besanzoni Lage fora uma estrela de primeira grandeza do canto lírico internacional. Tinha presença garantida em todas as temporadas dos principais palcos do mundo, exibindo sua poderosa voz de “mezzo soprano”, sobretudo no papel de “Carmen”, de Bizet, que a consagrara. Gabriella despedira-se dos palcos em 1939, no espetáculo montado para ela nas célebres Termas de Caracala, em Roma, cantando precisamente “Carmen”. Antes disso, em 1925, casara-se com Henrique Lage, apreciador e praticante do “bel canto”, que a conhecera durante as temporadas de ópera no Teatro Municipal. Henrique, dono do maior conglomerado empresarial brasileiro da época, construiria, sob inspiração dela e para ela, a famosa “Villa Gabriella”, dentro da esplêndida Chácara dos Lage (hoje Parque Lage), em plena Cidade do Rio de Janeiro, então capital do país e uma das mais charmosas cidades do mundo.

Na “Villa Gabriella”, o casal oferecia frequentes recepções para a alto mundo político e financeiro da época. Gabriella costumava apresentar-se nessas ocasiões, mas o seu palco maior era o Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Fundara uma companhia de teatro e canto, a S.A. Teatro Brasileiro, e uma escola de canto na Villa Gabriella. O que esta “prima donna”, esta “locomotiva” da alta sociedade carioca e brasileira viera fazer na pequenina Rio Acima?

Gabriella viera inaugurar o alto-forno da Companhia de Mineração e Siderurgia do Gandarela, uma das empresas das Organizações Lage. Henrique comprara a empresa em 1919, conhecedor que era das riquezas minerárias da Serra do Gandarela, muito estudadas por Henri Gorceix e seus alunos da Escola de Minas de Ouro Preto, que descreveram a beleza de seus mármores e a excelência de seu minério de ferro. Mais tarde, o recém-egresso engenheiro da Escola de Minas, Pandiá Calógeras, sugeriu que o mármore e o minério de ferro fossem escoados pelo ramal de Rio Acima, da Estrada de Ferro Central do Brasil. Calógeras ainda projetou uma estrada de rodagem da Fazenda Gandarela até o ramal ferroviário, que vencia vários obstáculos naturais, estrada que Henrique construiu com seus próprios recursos e que possibilitou que, já em 1930, o celebrado mármore “gandarela” alcançasse o Rio de Janeiro, onde era muito valorizado. O minério de ferro também chegou por esta via ao alto-forno que Henrique montara na Ilha do Vianna, na Baía de Guanabara, onde produzia ferro e aço utilizados para construir navios, dono que era da Companhia de Navegação Costeira, a maior empresa de cabotagem do Brasil, cujos navios ITA percorriam toda a costa brasileira.

Vapor Itaquatiá, um dos ITA da Costeira, com a Cruz de Malta na chaminé

A pequena Rio Acima, a Serra do Gandarela e a Companhia de Mineração e Siderurgia do Gandarela ocupavam um lugar primordial nos planos de Henrique. Dono de jazidas de carvão mineral, pensava produzir com o minério da Serra e com o carvão de Santa Catarina aço e ferro em grande escala, para construir não somente seus navios, mas para suprir todo o Brasil. Formou um “Consorcium Siderúrgico Nacional” com este objetivo, mas fracassou. Não conseguiu financiamento para seu projeto grandioso e, por fim, Vargas optou por construir uma empresa estatal, a Companhia Siderúrgica Nacional-CSN , que funcionou exatamente como Henrique imaginara seu “Consortium”: minério de ferro e carvão de minas próprias , com a diferença de uma grande metalúrgica em Volta Redonda. Não obstante isso, a Usina do Gandarela continuou nos planos da empresa e naquele fevereiro finalmente o alto-forno foi inaugurado.

Henrique Lage não viu o alto-forno funcionando. Morreu em julho de 1941 e Gabriella veio à Rio Acima na condição de herdeira de todos os seus bens pessoais e de 52% das ações das empresas. Do Rio de Janeiro, vieram também parentes de Henrique e diretores de suas empresas. De Belo Horizonte, vieram altos funcionários do Estado e Lúcia Valadares, filha do Governador Benedito Valadares, representando a madrinha do evento, a filha de Getúlio, Alzira Vargas do Amaral Peixoto. Foi Lúcia quem quebrou a garrafa de champagne na alta torre do Alto-Forno Henrique Lage, que ostentava no topo a Cruz de Malta, orgulhoso símbolo de todas as empresas do Grupo Lage.

A Usina do Gandarela funcionou até 1956, quando o alto-forno foi fechado. O Grupo Lage entrou em profunda crise logo após a morte de Henrique e acabou sendo desapropriado pelo Estado, sob o pretexto de que Gabriella era italiana, país com ao qual o Brasil declarara guerra. Voltou um tempo depois às mãos de Gabriella, mas o grande sonho siderúrgico de Henrique Lage se frustrara. A empresa continuou apenas como mineradora até os anos 60, quando foi vendida ao Grupo Antunes, que, depois, transformou-se na MBR – Minerações Brasileiras Reunidas.

Hoje, a maioria das suas jazidas é de propriedade da Vale do Rio Doce, uma empresa puramente mineradora. O alto-forno, inaugurado pela diva, Gabriella Besanzoni Lage, ainda resiste e a Cruz de Malta dos Lage ainda vigia sobranceira a região.

O sonho metalúrgico de Henrique Lage e de outros pioneiros da industrialização brasileira não se concretizou. O Brasil é um modesto produtor de aço (10° no ranking), modestíssimo consumidor de aço bruto per capita (122kg /habitante, contra 666,5 kg da China e 1.075 kg da Coréia e 425 kg dos EUA) e o segundo exportador de minério de ferro do mundo.

 De Henrique Lage ainda há em Rio Acima uma rua com seu nome e uma Escola Rural, ao lado da estrada que ele construiu.

Escola Henrique Lage em Rio Acima-MG