No dia 26 de outubro de 1962, há exatos sessenta e dois anos, o mundo quase acabou. Naqueles dias, o planeta acompanhava com a respiração suspensa a crise dos mísseis atômicos, cujas plataformas de lançamento, instaladas em Cuba pela União Soviética, haviam sido detectadas pelos aviões espias dos EEUU. Segundo a “infalível“ CIA – Central de Inteligência Americana, navios soviéticos navegavam rumo a Cuba com as ogivas atômicas, a serem instaladas nestas rampas, colocando as principais cidades dos EEUU no alcance de mísseis táticos atômicos soviéticos. O Governo Kennedy reagiu dando ordens expressas à esquadra americana para bloquear a qualquer custo estes navios. Os “falcões“ yankees queriam atacar Cuba com todo o poderio do Império e eliminar esta ameaça permanente a poucas milhas náuticas de suas costas. Os cubanos, que há um ano antes haviam rechaçado uma invasão, se prepararam para o confronto, armados e assessorados pelos soviéticos.
O que os americanos não sabiam é que ogivas atômicas já estavam instaladas em Cuba e prontas para uso. Tal fato só foi revelado décadas depois, quando Robert MacNamara, então Secretário de Estado dos EEUU vai a Cuba e Fidel Castro lhe revela o segredo que a CIA não descobrira. Perguntado se aconselharia a Nikita Khrushchev a usar as armas atômicas, Fidel respondeu que não só aconselharia como aconselhou Nikita a usá-las, caso Cuba fosse invadida.
MacNamara revela tudo isso, e muito mais, no documentário “Fog of War”, ou “Sob a Névoa da Guerra”, que acabou de estrear no “Prime”. Em inglês, no entanto, “Fog” é mais que névoa, é algo que obnubila, tolda o pensamento.
Do lado cubano, temos o relato de Norberto Fuentes, escritor íntimo da alta direção cubana e testemunha dos fatos. No seu livro “Autobiografia de Fidel Castro”, descreve a revista feita por Fidel, acompanhado pelo General Igor D. Statsenko, aos 24 mísseis da 43ª Divisão da Guarda de Smoliensk, bivacado em Cacahual, perto de La Habana.
Depois de caminhar algumas centenas de metros, chegaram às bases de lançamento das “Tanyas”, como eram chamados os foguetes e o General, pondo a mão sobre a fuselagem do monstro e lustrando-a com um lenço, informa ao comandante:
-Eta Niuyorque. Essa é Nova York.
Era o míssil com a ogiva atômica destinado a destruir Nova York.1.
No dia 26 de outubro, enquanto telegramas frenéticos eram trocados entre a Casa Branca e o Kremlim e os navios soviéticos se aproximavam da barreira montada no Atlântico, um avião espia U-2 dos EEUU, até hoje não se sabe por ordem de quem, foi derrubado sobre Cuba, atiçando os “falcões” que queriam imediatamente invadir a ilha. Os cubanos se prepararam para a invasão ou para o furacão atômico, caso o conselho de Fidel fosse seguido por Nikita Khrushchev.
Robert MacNamara reconstitui a troca de mensagens que culminou com a decisão de Nikita em interromper a marcha dos navios em direção à Cuba, em troca da promessa dos EEUU de não invadir Cuba.
Um pouco mais tarde, as plataformas de mísseis foram retiradas e, com elas, as ogivas que os “falcões“ americanos não sabiam estar em Cuba e que Fidel estava disposto a usar.
MacNamara conclui: -Tivemos sorte, muita sorte.
Nikita piscou primeiro, mas não perdeu. Depois disso, o holocausto nuclear foi afastado e com ele, a ameaça de invasão de Cuba, nunca concretizada.
O povo cubano, contudo, nunca perdoou Nikita. Cheguei a Cuba em 1969, apenas sete anos após os fatos. Nas praias cubanas, ainda se viam as casamatas construídas na ocasião e que embora desativadas, ainda poderiam ser usadas.
Todos os cubanos que conheci tinham vivido aqueles dias dramáticos e todos teriam marchado para a guerra de resistência ou para a destruição nuclear, seguindo seu Comandante e pela sua Revolução. E não perdoaram Nikita, alvo de um versinho irônico e maldoso, com jeitão daquele machismo latino, que ouvi muitas vezes quando rememoravam aqueles dias:
-Nikita mariquita, lo que se da no se quita!!
Fonte: “Fog of War”, Documentário Prime Vídeo
FUENTES Norberto. Autobiografia de Fidel Castro, Ed. Leya
- Norberto Fuentes, em Autobiografia de Fidel Castro, pp. 520 ↩︎