“Nosso Senador” e a Fiemg

O metalúrgico Joaquim José de Oliveira

Pelo que sempre ouço em conversas com militantes e simpatizantes mais antigos do Partido dos Trabalhadores aqui de MG, o ano de 1982 continua marcado como importante referência simbólica desta ousadia que foi a construção de um partido político com inédita participação e representação social do “Brasil profundo”.

A justificada euforia pela derrocada da Ditadura Militar, a volta dos exilados políticos em fins de 1979, o novo sindicalismo, o ABC Paulista em efervescência, o movimento estudantil se renovando, as pautas da luta feminista, a Teologia da Libertação, enfim, aquela euforia e dedicação militante se justificavam plenamente.

E naquele momento – movimento – histórico importante foi decisiva a adesão e participação ativa de centenas de trabalhadores (as) e ativistas sociais de genuína extração popular. Em Minas Gerais, foram tantos e tantas e tão importantes que sintetizo minha homenagem a todos (as) nas figuras do seu Joaquim de Oliveira, do seu Milton Freitas, do Vicente Nica de Turmalina, de Sandra Starling e de Adélia Hernandez e seu companheiro Ignácio Hernandez.  

E é sobre a participação do Seu Joaquim nas eleições de 1982 que aproveito a pachorra para recordar com reverência um episódio significativo em sua participação como candidato a senador naquelas eleições.

Joaquim José de Oliveira, o seu Joaquim, um negro alto, de uma alegre seriedade política, à época morador do Aglomerado da Cabana do Pai Tomás, Região Oeste de BH, foi o primeiro candidato ao Senado pelo Partido dos Trabalhadores-MG, nas eleições de 1982. Teve como seus suplentes na chapa o médico Jorge Nahas e Adélia Hernandez. O Seu Joaquim foi pessoa de cativante simpatia e imensa disposição para o trabalho político, características que mitigavam as imensas dificuldades pessoais pelas quais sempre passou para sobreviver e criar família (nesta época e durante a campanha, em suas andanças, vendia temperos para cozinha feitos pela sua mulher para auxiliar nas despesas). Em panfleto da campanha eleitoral de 1982, transcrevo aqui um fragmento de sua história, para os que não o conheceram:

“Já trabalhei em muitas coisas e lugares. No início da vida, fui camponês em Ferros. Daí fui para Barão de Cocais onde trabalhei numa pedreira e em reflorestamento. Daí, fui para Várzea da Palma, onde trabalhei na construção civil. Foi o primeiro sindicato onde me filiei. A falência da empresa me trouxe para Contagem, em 1956, onde trabalhei por 19 anos. Em 1957, já era membro do Sindicato dos Metalúrgicos e de sua diretoria. Em 1964, vejo os patrões apoiando o Golpe. Era o Golpe Militar. Começava para nós um longo período de arrocho e repressão.”

Ocorre, então, que. em 1982. ele era o nosso emblemático candidato ao Senado, eleito em convenção partidária memorável. Porém, no meio do caminho… tinha uma campanha eleitoral a enfrentar, debates a enfrentar, imprensa e jornalistas a enfrentar, preconceitos a enfrentar, empresários a enfrentar, a direita a enfrentar…

Mas logo percebemos que essa preocupação em planejar a campanha era só nossa, mais especificamente minha, do advogado Thales Machado, da economista Tereza Vilas Boas e do Aluísio Coelho (Neco), também economista, da jornalista Gisele Nogueira, do sociólogo Otávio Dulci e outros assessores que tinham a tarefa de preparar os candidatos para entrevistas sobre economia, cultura, tributos, projetos, além da preveni-los sobre as baixarias e coisas do gênero que rolam em campanhas eleitorais.

Mas o velho Seu Joaquim aparentava não estar nem um pouco preocupado. “Essa burguesia é toda igual, a gente enfrenta é no pau”, me confidenciou com serena convicção.

Mas fez questão de antecipar uma opinião pessoal sobre tema que estava totalmente fora das nossas preocupações: que era um homem de fé, crente e temente a Deus, mas não acreditava que o homem tinha pisado na lua, creditando isso a mais uma manobra dos imperialistas americanos. Ah! bem. Esse sim, um problema de menor importância!

Mas prá tudo se dá jeito e a campanha ia bem, com o seu Joaquim sendo muito bem recebido em todos os lugares em que a campanha exigia sua presença. Ganhava agilidade nas respostas e no discurso, se arriscava com segurança em temas novos, pedia pouca orientação à assessoria, pois confiava plenamente na sua intuição, mas ouvia tudo com aquela inteligência inata que lhe era própria e que respeitávamos e admirávamos.

Mas chegou o dia do debate na Fiemg – Federação das Indústrias de Minas Gerais.

E para lá nos deslocamos, sendo recebidos pelo Presidente Fábio Araújo Motta e sua assessoria para cuidarmos das regras do debate. O candidato “estava a caminho”, eu informava aos presentes, já sabendo que o Seu Joaquim viria a pé… aproveitando prá vender uns pacotinhos de tempero pelo caminho, como me disse na véspera, enquanto o “preparávamos” para o encontro!

Mas chegou. Em grande estilo, com uma camisa azul de sarja que ele usava em ocasiões especiais e, a tiracolo… a inseparável capanga com alguns petrechos e o restante dos temperos que não tinha conseguido vender pelo caminho.

Tomou assento à mesa entre aplausos que encobriam a curiosidade e incredulidade da plateia 100% representativa das “classes produtoras”, como diria Vargas.

Mas não lhe foi passada, de imediato, a palavra. Como é praxe entre os mais favorecidos, o representante maior da entidade empresarial mineira começou a falar das dificuldades do momento econômico brasileiro e a desfiar uma arenga lamuriosa e crescente sobre as dificuldades financeiras, tributárias, legais, trabalhistas, alfandegárias, logísticas e mais o sofrimento de ser empresário neste país etc, etc, etc. E tome lamúria e chororô, o que foi fazendo o velho Joaquim começar a mastigar a dentadura (tique nervoso característico dele, quando incomodado ou irritado) de forma preocupante para nós, que bem o conhecíamos.   

Lembro-me do Thales Machado, salvo engano, me comentar ao ouvido:

- Seu Joaquim está ficando nervoso, mas é bom os empresários falarem muito e gastarem o tempo. Assim, o Joaquim entra com seu discurso tradicional que é bom e sobra menos tempo prá plateia fazer perguntas sacanas.

Mas eis que, em inusitado e educado rompante, o Joaquim pega o microfone disposto a seu lado e interrompe o orador, causando suspense na plateia e calafrios nos seus assessores!

- Meus senhores, o convidado aqui sou eu! E já vi que a estratégia é não me deixar falar. Eu sempre falo que trabalhador que quiser ter voz tem é que lutar. Mas aqui nesta casa estou é quase chorando de tanta pena dos senhores empresários e patrões. É muito sofrimento e tristeza e eu, muito antes de ser eleito Senador, já gostaria de ajudar os empresários mineiros a diminuir tanta dificuldade e a parar com a choradeira. A ajuda é pouca, mas diante de tanta dificuldade eu acredito que pode ajudar...

… E salpicou sobre a mesa moedas e notas do dinheiro que estava em sua capanga, dizendo que aquilo era pouco, mas fruto do trabalho do dia, já que ele tinha vindo a pé de casa vendendo tempero pra levantar um dinheiro honesto.

E com uma expressão matreira de quem sabia que tinha vencido aquele complicado round inicial, encerrou dizendo: ´

-Se vocês me derem a honra de ser eleito Senador pelo Partido dos Trabalhadores, posso ajudar muito mais ao sofrido empresariado mineiro!!!

PS: Nestes novos velhos tempos de reconstrução de tudo, lembrar do “Seu Joaquim de Oliveira” nos reanima para um possível novo ciclo, tempo de lutas renhidas e desfastio.