O Maiakóvski de Ipatinga

Talvez a maior cilada literária em que quase todos da esquerda já embarcaram um dia tenha sido a ampla divulgação “do mais famoso poema” de Maiakóvski – o poeta da Revolução Russa – … que não é de Maiakóvski.

Para os que não se lembram, o poema chama-se No Caminho Com Maiakóvski, de autoria do carioca (Niterói-RJ) Eduardo Alves da Costa, e realmente é uma pequena obra de arte poética e política:

Na primeira noite, eles se aproximam
E roubam uma flor
Do nosso jardim,
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
Pisam as flores,
Matam nosso cão,
E não dizemos nada.
Até que um dia,
O mais frágil deles
Entra sozinho em nossa casa,
Rouba-nos a luz e,
Conhecendo nosso medo,
Arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Mas, como tudo que começa mal tende sempre a piorar, em Ipatinga dos buliçosos anos de 1989 e seguintes, o “mais famoso poema” do Maiakóvski, que não é de Maiakóvski, conseguiu escapar do mesmo, escapou também do seu legítimo autor e caiu no pátio da Usiminas, em busca de um autor mais operário.

Ocorre que rolava uma greve braba na Prefeitura administrada pelo Prefeito Chico Ferramenta, que estava em seu primeiro e melhor mandato executivo. Greve no melhor estilo “fogo amigo” entre petistas, como é prática inarredável originária da complicada genética sociopolítica do Partido dos Trabalhadores.  

Enquanto o pau cantava na Praça da Prefeitura, com piquetes e discursos, começa a circular por lá, pra dar uma incrementada na greve e uma melhorada no nível político, um panfleto com o tal poema. E, ao final do texto, estava lá a indigitada autoria: Maiakóvski.

O impacto parece ter sido muito bom no meio dos grevistas. Mas ocorre que rolava um certo desconforto, uma intrigante curiosidade não saciada: quem era o tal Maiakóvski que tinha escrito poema tão belo com sábias palavras, dando mais alma e impulso a greve? Seria um infiltrado ou era “dos nossos”?

Como sempre. tem alguém que se supõe mais sabedor das coisas do vasto e complexo mundo intelectualizado. Alguns ativistas entenderam por levar a dúvida a um vereador da base, apoiador incendiário da greve e que, em poucos meses de um primeiro mandato, já discursava esclarecendo até o Mistério da Santíssima Trindade. O nobre edil deu uma lida, coçou a cabeça, perguntou como ia a greve, achou o poema muito bonito e sapecou:

 - Preocupa não. Conheço este Maiakóvski: é um peão que trabalha de três turnos na Usiminas. É da nossa base!