O impacto das mudanças na legislação eleitoral em 2024

Em 2024, as mudanças na legislação, que vêm se sucedendo desde 2017, impactarão a dinâmica do processo eleitoral. Mesmo sem que tenham ocorrido alterações estruturais no marco legal como voto distrital, candidato avulso, voto por lista, dentre outras, as mudanças vão afetar qualitativamente as eleições municipais e a dinâmica do nosso sistema político. Foram duas minirreformas eleitorais: uma em 2017 (EC nº 97/2017) e outra em 2021 (EC nº 111/2021), com suas respectivas leis. Em 2023, houve tentativa de nova reforma. Aprovada pela Câmara de Deputados em ago/23, ela não foi apreciada a tempo pelo Senado Federal, diante das manobras do seu Presidente, Senador Rodrigo Pacheco.

Em 2017, foi aprovado o fim das coligações, que já não valeram para as eleições municipais de 2020. Coligação é a aliança entre partidos para aumentar as chances de resultados positivos nas urnas. Era uma forma de unirem forças para alcançar a vitória nas urnas. Esta alteração obrigou aos partidos mostrarem sua força política própria.

A minirreforma instituiu também a cláusula de barreira. A partir de 2019, para terem direito ao fundo e ao tempo de propaganda, os partidos passaram a ter de conquistar, pelo menos, 1,5% dos votos válidos nas eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos 1/3 das unidades da federação ou eleger 9 deputados, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas. Então, nas eleições de 2018, 14 dos 35 partidos existentes não conseguiram superar a barreira. Em 2022, o desempenho partidário mínimo passou a ser de 2,0% com 11 deputados, sendo que 15 dos 28 entes políticos (partidos e federações) igualmente não superaram a barreira.

As mudanças eleitorais de 2017 contribuíram para concentrar ainda mais o poder político em um número menor de grupos. A combinação do fim das coligações com a cláusula de barreira eliminou os partidos nanicos e, com isso, o oportunismo e a chantagem eleitoral de grupos políticos marginais. Entretanto, ela promove a tendência à concentração de forças em legendas lideradas por caciques tradicionais e gera uma facção de políticos com orientação ideológica difusa em busca de alojamento partidário, o que alimenta o fisiologismo.

Essa concentração foi incrementada com as mudanças na forma de financiamento eleitoral. Antes dominante e responsável por inúmeros escândalos, a doação de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais foi proibida, assim como foram proibidas as candidaturas avulsas. Como alternativa, foi criado um fundo público, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Foram mantidas doações individuais até 10% da renda total declarada no ano anterior e permitido o financiamento coletivo (crowdfunding/vaquinha online) para arrecadação de recursos de campanha.

A criação do Fundão, como passou a ser chamado, revigorou o perfil clientelista dos parlamentares brasileiros e alavancou ainda mais a concentração do poder político. Os parlamentares passaram a contar, a cada 2 anos, com um recurso cativo para organizar ou (re) ativar suas bases políticas, no montante que eles mesmos entenderem ser necessário. Além disso, o esforço político que, qualitativamente, era destinado à captação de recursos, transmutou seu foco para a estratégia do uso mais eficiente dos recursos disponíveis para eleição na estruturação das respectivas bases e apoios políticos, tendo em vista as compras e contratações locais a que eles se destinam para conquista do voto.

Em 2018, o FEFC teve um aporte de R$ 1,716 bilhão. Nas eleições municipais de 2020, ele foi de R$ 2,034 bilhões e, em, 2022, passou a R$ 4,96 bilhões. Em 2024, o valor definido para os partidos viabilizarem seus candidatos foi o mesmo das últimas eleições (R$ 4,96 bi). Como não há critério legal para dimensionamento do financiamento, o montante mais do que duplicou desde as eleições presidenciais de 2018, embora o Governo Federal tenha proposto R$ 939 milhões para 2024.

Comparando-se, por exemplo, o valor do Fundo Eleitoral (R$ 4,96 bi) para as eleições municipais com o montante de R$ 4,301 bilhões destinado ao funcionamento de Instituições Federais de Ensino Superior em 2024  no Orçamento Geral da União, vemos a importância significativa desse valor destinado a se ‘fazer política’.

Outras alterações, complementaram o cenário favorável à promoção da política orientada pelo fisiologismo A partir da minirreforma de 2017, as emissoras de rádio e televisão passaram a estar obrigadas a chamar para os debates os nomes dos partidos com pelo menos 5 (cinco) cadeiras na Câmara de Deputados, ao contrário do critério de 9 (nove) parlamentares, que antes vigorava. Isto permitiu, por exemplo, a participação do Padre Kelmon, Partido Trabalhista Brasileiro – PTB na época, nos debates presidenciais de 2022, exclusivamente para apoiar a candidatura do então candidato Jair Bolsonaro – PL, furando, assim, a restrição à participação de candidaturas nanicas. Além disso, criou-se uma exceção para a manutenção do mandato de deputados (federais, estaduais ou distritais) e vereadores que venha a se desfiliar do partido pelo qual foram eleitos, desde que o partido concorde com a sua saída, o que proporciona todo tipo de entendimento para se validar a mudança de legenda.

A reforma eleitoral aprovada em 2021 (EC nº 111/2021) introduziu mecanismos para se qualificar os pleitos futuros. Ela estabeleceu que os votos dados a mulheres e pessoas negras, para a Câmara dos Deputados, nas eleições de 2022 a 2030, deverão ser contados em dobro na distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Fundo Eleitoral) entre os partidos. Por sua vez, os votos para uma candidata negra não poderão ser contados em dobro duas vezes, em razão dela ser mulher e ser negra. Passou a permitir a realização de consultas populares sobre questões locais junto com as eleições municipais, desde que as câmaras municipais aprovem e encaminhem à Justiça Eleitoral em até 90 dias antes da data das eleições.

Outra mudança importante refere-se à quantidade de candidatos possíveis de serem lançados pelos partidos. Até 2020, os partidos podiam lançar até 150% do número de vagas da Câmara dos Vereadores. Se o município elegesse 20 vereadores, a legenda poderia, então, ter até 30 candidatos.

Com a nova legislação, a partir de 2024, as legendas somente poderão ter 1 (um) candidato a mais do que a oferta de cadeiras na Câmara dos Vereadores. Se houver 20 (vinte) vereadores na cidade, cada sigla poderá ter apenas 21 (vinte e uma) candidaturas.

Na orientação de valorizar o desempenho das legendas partidárias com maior representação, a partir das eleições municipais, a distribuição de cadeiras remanescentes ao coeficiente eleitoral só contará com a concorrência dos partidos que alcançarem mais de 80% do coeficiente. Isso impede que candidatos de partidos menores, impulsionados por uma única candidatura puxadora de votos, consigam mais cadeiras no Legislativo.

Essas mudanças recentes trazem a esperança de reformas mais estruturais no processo político-eleitoral brasileiro nos próximos pleitos.