Nas eleições municipais de 2024, as expressões “esquerda” e “direita” ganharam forte protagonismo durante a campanha. Foi expressamente uma campanha de candidatos de ‘direita’ versus candidatos ‘esquerda’ na boca dos próprios candidatos, apoiadores e mídia, o que, nos processos eleitorais anteriores, ficava restrito ao círculo dos analistas políticos. Foi, de lado-a-lado, campanha para derrotar a ‘esquerda’ ou derrotar a ‘direita’. Em Belo Horizonte, o candidato do Partido Liberal – PL, Bruno Engler, apresentou-se em seu programa de televisão e rádio como ‘candidato da direita’. O candidato do Partido Democrático Social PSD, Fuad Noman tentou se livrar de alcunha similar em busca do voto útil para chegar ao segundo turno. Vários apoiadores caracterizados como de ‘esquerda’, que fizeram campanha pelo voto útil a seu favor, buscaram caracterizá-lo como ‘candidato de centro’, em argumentação para evitar a passagem para o 2º turno de dois candidatos de ‘extrema-direita’, Engler e Tramantonte – Republicanos. Do outro lado, os que permaneceram em defesa da candidatura de Rogério Correia – PT e de Duda Salabert – PDT insistiram em classificá-lo como ‘direita’ e destacar suas candidaturas como de ‘esquerda’ e incompatíveis com os seus objetivos.
Os termos ‘esquerda’ e ‘direita’ estão presentes na vida pública brasileira desde sempre. Seus significados se estabelecem junto ao senso comum imediatamente entre os interlocutores, sem a necessidade de adjetivações complementares, tal como os significados de ‘bom’ e ‘mau’, dependendo da posição do enunciador. Entretanto, quando buscamos recolher os argumentos que sustentam a pretensão de validade estabelecida, vamos nos deparar com uma enorme volatilidade e imprecisão de razões, difíceis de serem concertadas em um consenso mínimo. Tal como a discussão para se se pacificar sobre quem é ‘bom’ ou de quem é ‘mau’ torna-se necessária (re)construção de inúmeras situações em que as condutas e as opiniões se forjaram.
De todo modo, ‘ser de ‘esquerda’ ou ‘ser de direita’ tornaram-se bordões clássicos para caracterizar, respectivamente, os que são ‘contra’ e ‘a favor’ do establishment, ‘a favor de políticas sociais’ ou ‘ a favor do mercado’ e, assim por diante. Em torno dessa autoclassificação, que muitos de si fazem surgem amizades e desavenças, na maioria das vezes obstaculizados pela natureza linear e rasa da classificação, ainda que a Ciência Política e, principalmente, a mídia tenham adensado os termos com várias qualificações, que incluem adjetivações para caracterizar as interseções entre as várias posições entre o que seria ‘esquerda’ e ‘direita’ e, assim, estabelecido uma hierarquia entre ‘extremos’ à direita e à ‘esquerda’ bem como posições intermediárias entre ambos os termos (centros).
De onde vem ‘esquerda’ e direita’
Os termos “esquerda” e “direita” surgiram durante a Revolução Francesa em 1789. Na França Monárquica, os representantes do povo se reuniam na Assembleia dos Estados Gerais, distribuídos em três ordens, Clero, Nobreza e Cidadãos, chamado de Terceiro Estado que congregava os que não se enquadravam nos outros estamentos. Em maio de 1.789, em julho daquele ano, o Terceiro Estado passou a se denominar Assembleia Nacional e passou a se reunir inicialmente sem os demais Estados, apesar da tentativa do Rei de impedir. Em 9 julho, data da Tomada da Bastilha, foi instituída a Assembleia Nacional Constituinte, naturalmente com uma pluralidade de correntes políticas.
Os membros da Assembleia Nacional vão, então, se dividir em apoiadores do Antigo Regime à direita do Presidente da Mesa e os apoiadores da Revolução à sua esquerda. O Barão de Gauville, deputado da Nobreza, explicou:
“Começamos a nos reconhecer: aqueles que eram leais à religião e ao Rei assumiram posições à direita da cadeira para evitar os gritos, juramentos e indecências que gozavam de rédea solta no campo oposto”.
Em 1791, a Assembleia Nacional foi substituída pela Assembleia Legislativa composta por membros inteiramente novos. “Inovadores” sentaram-se à esquerda, “moderados” ao centro, e os “conscienciosos defensores da constituição” sentaram-se à direita, tal como os defensores do Antigo Regime.
Em 1792, o arranjo de assentos continuou com Convenção Nacional. Em 2 de junho de 1793, uma Insurreição resultou na prisão dos Deputados Girondinos. Eles se assentavam do lado direito do plenário. Atacavam a Comuna de Paris e os jacobinos, liderados por Maximilien Robespierre, e opunham-se à condenação do Rei. Com isso, o lado direito da Assembleia foi esvaziado e os membros que lá se sentavam se mudaram para o centro.
O jacobino Robespierre foi deposto em julho de 1794, gerando o período que ficou denominado como Reação Termidoriana, que pôs fim ao Período do Terror, iniciado com a queda dos Girondinos. Neste momento, os integrantes da extrema esquerda foram excluídos e o critério de assento foi abolido.
Após a Restauração em 1814-1815, que restaurou a monarquia para os herdeiros de Luís XVI até a retomada do poder por Napoleão Bonaparte após a volta de seu exílio, as correntes políticas foram novamente formadas. A maioria dos monarquistas escolheu sentar-se à direita. Os “constitucionais” sentaram-se ao centro, enquanto os independentes sentaram-se à esquerda.
A partir daí, os termos ‘extrema direita’ e ‘extrema esquerda’, bem como ‘centro-direita’ e ‘centro-esquerda’, passaram a ser usados para descrever as nuances da ideologia de diferentes seções da Assembleia. Entretanto, os termos “esquerda” e “direita” não eram usados para se referir à ideologia política em si, mas, sim, à cadeira na legislatura.
Fonte: Left and Right Political Spectrum, https://en.wikipedia.org/wiki/Left%E2%80%93right_political_spectrum