Das noites na selva para o Mato Grosso

Em dezembro de 1944, o Tenente do Exército Imperial Japonês, Hiroo Onoda, foi alocado nas Ilhas Filipinas de Lubang, ainda sob controle japonês. Treinado por uma unidade especial de inteligência, tinha ordens categóricas de manter-se vivo e não se entregar, pois cedo ou tarde iriam até ele. Pouco depois, as unidades regulares japonesas foram derrotadas e os Aliados ocuparam Lubang.

Onoda internou-se nas matas com três subordinados, um dos quais entregou-se e dois outros foram mortos em combate, em 1954 e 1972. Continuou só e acossado pelas forças filipinas até 1974, quando foi contatado por um estudante japonês que levou ao Japão fotografias dos dois. O Governo Japonês localizou o Major Yoshimi Taniguchi, então um pacato livreiro em Tóquio, que havia treinado Onoda, e este foi até Lubang. Vestindo seu uniforme de 29 anos de uso (hoje em um museu japonês), Onoda foi, então, liberado de suas funções pelo seu chefe e entregou o seu rifle Arisaka 99, ainda operacional, cerca de 500 balas e algumas granadas de mão. Embora, nestes 29 anos de resistência, Onoda tivesse matado cerca de 30 camponeses e soldados, ele foi anistiado pelo Governo Filipino.

O agora civil Onoda, tinha um irmão que criava gado em Terenos, Mato Grosso do Sul, em terras de uma das fazendas comprada pela JAMIC –Japan Migration and Colonization, uma estatal japonesa que financiava a compra de terra para migrantes japoneses. Onoda emigrou para o Brasil, onde viveu muitos anos. Foi condecorado pela FAB – Forças Aéreas Brasileiras com a Medalha Santos Dumont em 2006. Casou-se com uma japonesa e voltou ao Japão. Quando de sua morte, em 2014, administrava um acampamento para crianças.

O irmão de Onoda viveu até a morte no Brasil. A cidade de Terenos é hoje a Capital dos Ovos em Matogrosso do Sul, produzidos por uma cooperativa majoritariamente de descendentes japoneses. As outras colônias JAMIC, no Pará, Rio de Janeiro e São Paulo, tiveram destinos variados.

Um livro de Werner Herzog, “O Crepúsculo do Mundo” e um filme de quase três horas, “Onoda – 10 000 Noites na Selva”, chegam agora ao mercado, por ocasião do centenário do seu nascimento, conforme nos informa o indispensável Amir Labaki, no “Valor”. Penso quebrar meu jejum de cinema para ver esta fascinante história, não apenas pelo seu surpreendente capítulo brasileiro, mas pelo que ela tem de perturbador e intrigante sobre a nossa percepção da humanidade e seus abismos.

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