Referendo da bandeira de BH: entre a mudança estética e o resgate da identidade

Nas eleições de 6 de outubro, os eleitores de Belo Horizonte vão decidir se mudam a bandeira do município, além de votar apenas nos novos vereadores e no novo prefeito da cidade. A atual bandeira da cidade constitui a aplicação do brasão da cidade sobre um fundo branco, instituída pela Lei Municipal nº 6938/1995.

Os eleitores terão de responder “Sim” ou “Não” ou “Branco” à frase “Você aprova a alteração da bandeira de Belo Horizonte?”. As imagens da bandeira atual e da nova bandeira proposta não vão aparecer na tela da urna eletrônica. Em todas as seções eleitorais, haverá um cartaz com as imagens das duas bandeiras, para o eleitor consultar antes de votar.

A proposta de mudar a bandeira foi feita pelo designer gráfico Gabriel Figueiredo. Apresentada nas redes sociais em 2022, a proposta chegou ao à Câmara Municipal, tornando-se o projeto de lei 483/2023 de autoria dos vereadores Jorge Santos – Republicanos e Cleiton Xavier – PMN, que sugere alteração na Lei Municipal n.º 11.293, código que determina os símbolos oficiais da cidade. Em justificativa fundamentada, intitulada “Uma bandeira para Belo Horizonte”, o autor apresenta alternativas e esclarece a escolha do design proposto.

A proposta tem sido objeto de crítica por algumas lideranças. Destacam a perda dos elementos essenciais à identidade da Cidade de Belo Horizonte, fundamentalmente da Serra do Curral del Rey. No brasão em vigor, ela aparece expressamente ao centro com destaque para o Pico Belo Horizonte. Na versão a ser votada, a Serra corresponde ao triângulo retângulo verde, que se situa na metade esquerda da bandeira, acompanhada pelo sol nascente ao meio, contraposto a outro triângulo retângulo invertido de cor azul na outra metade. De acordo com o designer, essa constitui “uma representação abstrata de ‘serra’ simples o suficiente para ser desenhada por qualquer pessoa com um sol baseado no desenho presente no próprio brasão da cidade, mantendo uma relação forte entre os seus dois principais símbolos oficiais”.

A versão em votação foi escolhida por Gabriel dentre 190 composições alternativas em que combina diversas apresentações do verde (Serra) com o azul e o sol. Os argumentos apresentados em defesa da proposta sugerem que a escolha se orientou por razões fundamentalmente estéticas.

De fato, a versão da bandeira em vigor mostra-se obsoleta. Como o próprio designer pontua, “o brasão da cidade é ótimo, é bom deixar claro”, mas “a questão é que brasões não costumam funcionar bem em bandeiras”. Entretanto, quando consideramos a possibilidade mudança, é preciso se levar em conta não apenas critérios estéticos, mas, principalmente, aspectos da identidade histórica e política da cidade. O símbolo de uma comunidade precisa resgatar os valores de sua soberania e de sua cidadania. Nesse quesito, a alternativa proposta é extremamente, por assim dizer, minimalista. Isto é, simplifica por demasiado as ideias originais contidas na versão original.

Na versão original, no brasão em vigor, vê-se expressamente uma representação de serra, a Serra do Curral del Rey, com a representação do Pico Belo Horizonte. É a Serra quem abraça na paisagem da cidade todas as bacias do Rio das Velhas, do Arrudas e do Onça, dentre outras, e destaca a riqueza mineral do Estado. Na proposta em votação, esta representação é transformada em um triângulo postado em declive. Além de se perder a ideia de montanha, a forma traz implicitamente a mensagem de ‘declínio’, no sentido de que o ‘verde’ está em movimento descendente. Justamente, esse significado semiótico difuso colide com a luta pela preservação da Serra do Curral, atualmente central no enfrentamento da ação predatória das mineradoras na cidade. A Serra desaparece do horizonte, para se transformar em um horizonte genérico.

Além disso, a versão proposta desconhece o triângulo vermelho das Minas Gerais, que consta ao centro do brasão, aliás, questão não abordada no documento de justificativa. No brasão, Belo Horizonte, enquanto capital do Estado, aparece coroada por esse triângulo, símbolo do episódio central na história do Brasil e de Minas Gerais. Vale lembrar que a decisão política de se construir uma capital em localidade central do Estado, foi um movimento de resgate da tradição política das Minas Gerais. A presença do triângulo não é aleatória. A construção da Cidade de BH visou tornar-lhe o centro da governança antes vigente em Ouro Preto, berço dos Inconfidentes. O triângulo não aparece na versão proposta.

Versões de design da bandeira de BH proposta por Gabriel Figueiredo com o triângulo como forma principal

Por sua vez, quando analisamos as alternativas apresentadas pelo designer Gabriel, vemos que, dentre as possibilidades cogitadas, há aquelas que trazem o triângulo como representação da Serra. As versões das linhas “B” a “I” atenderiam mais ao espírito de representação da Serra do Curral e da mineiridade com o destaque do triângulo, que são expostas em tabela ao final do artigo. Aliás, a cor original do triângulo dos Inconfidentes era verde …

Certamente, estas considerações não esgotam a reflexão sobre a natureza do símbolo maior da cidade, sua bandeira. É preciso, fundamentalmente, que a opção a ser escolhida para sua renovação não venha envolta no esquecimento da identidade que a forjou originalmente.

Os Inconfidentes de Carlos Oswald, 1939