Reputação sob ataque: Helvécio Magalhães

Dr. Helvécio Miranda Magalhães Júnior

Recentemente, vivenciamos mais uma agressão inescrupulosa à reputação de um agente público, que, como reza a dinâmica desses acontecimentos (veja artigo sobre o tema), já se encontra em processo de naturalização. Ou seja, os danos já foram causados e os efeitos do episódio estão em estado de latência ‘disponíveis’ para futuros interessados, tal como lembra o conto budista sobre a impossibilidade da reparação.

Trata-se do episódio envolvendo o médico Helvécio Miranda Magalhães Júnior. Dr. Helvécio exercia a coordenação da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde – SAES do Ministério da Saúde – MS, que implementa a política de atenção hospitalar do Sistema Único de Saúde em todo o país. Desde sua posse em 2023, vinha resgatando a gestão hospitalar no país, particularmente organizando a fila nacional de cirurgias eletivas e a atenção de urgência e emergência, temas abandonados no governo anterior, em articulação com prefeitos e governadores. No dia 19 de março, foi exonerado devido à repercussão da divulgação pela Rede Globo de reportagem sobre as péssimas condições dos hospitais no Rio de Janeiro exibida no Fantástico do dia 17/03.

A reportagem denunciava as precariedades estruturais dos hospitais e, em certo momento, tratou da visita de uma especialista para avaliar soluções referentes à infraestrutura elétrica do prédio do Hospital Federal de Bonsucesso, que marcou a reunião a pedido do Secretário Helvécio. De fato, embora não se tenha notícia de algum ato formalizando sua presença em nome da Secretaria, a visita foi previamente agendada, conforme a especialista informou quando abordada pela reportagem.

A partir do questionamento da visita, a reportagem passa, então, a tratar o Secretário como um dos casos suspeitos de apadrinhamento “investigados por denúncias sobre ineficiência, negligência e corrupção”. A reportagem se apoia no fato de não ter havido a formalização oficial da visita e agrega especulações quanto à trajetória profissional da especialista, insinuando supostas relações comerciais sem qualquer fundamentação efetiva. Faz uma narrativa especulativa de indevida suspeição, gerando para o espectador a imagem de uma suposta relação do Secretário com a desorganização dos hospitais cariocas. Sob esse contexto, Helvécio foi sumariamente exonerado.

O conteúdo da reportagem, por si só, não traz novidades. As péssimas condições dos hospitais no Rio de Janeiro são recorrentes há mais de uma década. Já em 2013, há registro de ações do Núcleo Estadual do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro – Nerj com o Conselho Regional de Medicina para enfrentar os problemas de falta de recursos humanos e de insumos, deficiência estrutural, superlotação das emergências, fechamento de serviços, ausência de concurso público e salários reduzidos. Em 2014, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado analisou a crise nos hospitais federais do Rio de Janeiro que levou à greve dos servidores e médicos, com a presença secretário de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde.  Em 2017, temos notícia de um protesto de médicos e servidores do Hospital Federal de Bonsucesso em razão da crise que enfrentavam.

Em 2018, foi criada Comissão Parlamentar Externa da Câmara dos Deputados para acompanhar a crise dos hospitais federais e institutos, junto com o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) e o Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (Coren-RJ).

Trata-se, portanto, de um conjunto de problemas que se arrasta, no mínimo, há mais de 10 anos. Acontece que, no dia 15 de março, sexta-feira anterior à reportagem, a Ministra Nísia Trindade publicou portaria instituindo o Comitê Gestor dos Hospitais Federais do Rio de Janeiro. O Comitê foi criado justamente para analisar, avaliar e praticar atos de gestão relativos a esses hospitais, sob a coordenação do então Secretário de Atenção Especializada da Saúde, Helvécio Magalhães. Portanto, ao Secretário foi atribuída a autoridade para enfrentar os problemas nos hospitais do Rio de Janeiro.

Ora, tal conjunção de fatores na vida pública não pode ser vista como mera convergência fortuita de acontecimentos: uma reportagem, uma suposta denúncia e a efetivação de uma exoneração. Não cabe aqui abrir inquérito para averiguações, mas de reconhecer a dinâmica básica de episódios na vida pública que envolvem conflitos de interesse, a saber, o início de uma intervenção institucional com características de potencial recentralização da gestão hospitalar na região em enfrentamento aos interesses da descentralização vigente, seguida de um ataque aos envolvidos em sua implementação, sustentado pela virulência de narrativas contra agentes e instituições envolvidos.

Neste caso, vale lembrar os ataques à permanência da Ministra Nísia Trindade na direção do Ministério da Saúde. Episódios inadvertidos como o gerado pela visita informal autorizada pelo Secretário, certamente, carregam potencial para alimentar cancelamentos. Neste contexto, a proteção da reputação institucional demanda posicionamentos objetivos e tempestivos para se evitar a contaminação pelas narrativas distorcidas. Na segunda-feira imediata à reportagem, exposto o tema em reunião ministerial em que a conduta do Ministério da Saúde está em cheque por razões diversas, instala-se a hierarquia de proteção de reputações. A reputação institucional passa a ter precedência em relação àquele cuja reputação foi agredida. Independente dos fatos, prevalece a versão dos fatos, ou melhor, a aversão ao risco à versão dos fatos. E, com isso, o sacrifício de mais uma reputação, uma externalidade amoralmente necessária se impõe …

A partir desse relato, abrem-se várias interpretações sobre os eventos e desdobramentos envolvendo o episódio: o ciclo da reflexão improdutiva sobre o que devia ou não ter sido feito. Entretanto, quando está em questão determinada reputação, essas são divagações que não contribuem para se focar no principal: a repercussão dos acontecimentos para a imagem do indivíduo. A vida pública é exímia em esgrimar a crítica e tímida em praticar a solidariedade. Solidariedade é um ato de bondade e compreensão com o próximo: ao Dr. Helvécio e a tantos outros cujas reputações foram vítimas de ataques inescrupulosos e indefensáveis!