O ataque a reputações na vida pública

Reza a sabedoria popular que uma pessoa perde tudo, quando perde seu nome. Perder o nome, perder a imagem, perder a honra significa uma pessoa, uma instituição ou grupo chegar a uma situação de descrédito por conduta considerada socialmente indesejada, odiosa. Em termos sociológicos, isso significa perder a reputação ou ter a reputação abalada.

A reputação é a representação pública de um indivíduo, grupo ou organização resultante de um juízo de valor de um grupo social acerca de seu perfil ou comportamento em uma determinada situação, a partir de valores e princípios que o próprio grupo considera como pretensão de validade para justificar a existência e/ou a atuação daqueles sujeitos.

A perda ou o abalo dessa representação positiva pode ser o resultado da própria ação indevida dos envolvidos, mas também pode ser resultante de julgamentos desinformados, distorcidos e precipitados de grupos sociais. Quando a reputação de alguém é atingida por razões criminosas, o Direito oferece tipificações que nos possibilitam entender legalmente as circunstâncias distintas dessas práticas. Caracterizam-se como “difamação”, quando se atribui à vítima fato negativo que não seja crime; “injúria”, quando, à vítima, são atribuídas palavras ou qualidades negativas ou ela é mesmo xingada. Consideram-se como “calúnia” as situações em que é dito de forma mentirosa que a vítima cometeu crime.

Os danos gerados pela agressão à reputação de um indivíduo ou uma instituição não podem ser tolerados. Portanto, seu julgamento é uma forma necessária de reparação, que, em geral, se traduz em retratações públicas, compensações financeiras ou mesmo exposição pública do agressor e, eventualmente, a atribuição de penas de detenção, principalmente quando envolve práticas racistas ou homofóbicas.

Essas práticas, entretanto, embora necessárias, necessariamente não sanam o impacto de uma agressão à reputação na maioria das vezes. A punição não interrompe seus efeitos. As mentiras propaladas, os registros enganosos que circularam nas redes sociais, a audiência original de detratores, dentre outras dimensões possuem dinâmica própria e praticamente incontrolável, como registra a sabedoria budista (leia o conto sobre o Resgate de Reputações). Muitos dessas agressões acabam por configurar verdadeiros ‘assassinatos de reputações’. A avaliação das imagem das pessoas atingidas passa a estar permanentemente condicionada aos fatos da detração, mesmo que, originalmente, tenha ocorrido uma retratação formal expressa ou algum tipo de reparação civil– que, como sabemos, é a exceção na maioria dos casos. Os juízos de valor distorcidos propalados permanecem vivos e reaviváveis no mundo social e no mundo da vida.

O ‘assassinato de reputações’ tornou-se prática sistemática na Era da Informação. Passamos a conviver, nos últimos anos, com o termo “cancelamento” para caracterizar a descontinuação do acompanhamento dos chamados “influenciadores”, cuja intensidade da prática já é considerada uma ‘cultura’.

Com a escalada de denúncias de corrupção movidas pelo lawfare, desde o chamado Mensalão em 2004 e, na sequência, com o a disseminação do instituto da ‘delação premiada’ pela Operação Lava Jato, alimentada pelo julgamento intempestivo e imediatamente condenatório dos meios de comunicação, assim como pela disputa ideológica no mundo da vida de narrativa sobre esses episódios que se instalou no país, a agressão a reputações certamente se incrementou nos últimos anos. Ela, porém, não é uma prática nova na esfera pública, sobretudo em relação a agentes públicos e, particularmente, a políticos. A trajetória político-cultural no país está tragicamente ancorada em uma profunda desconfiança nas autoridades públicas, certamente por razões pertinentes. Qualquer questionamento da conduta de um agente público leva a que ela seja praticamente considerada, a priori, como prática indevida, irregular, indiscutivelmente movida por intenções obscuras. Há, com certeza, uma perversa naturalização dos julgamentos públicos de agentes públicos, que, em intensidades diferentes, independentemente da inserção social dos cidadãos que avaliam acontecimentos dessa natureza, são recorrentemente considerados, por pressuposto, suspeitos .