Tal como esperado o Senador Rodrigo Pacheco apresentou no mês de julho, o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados – PROPAG (PLP 121/2024) destinado à solução do problema de endividamento dos Estados brasileiros com a União. A dívida dos Estados com o Governo Federal acumula em torno de R$ 760 bilhões. São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de janeiro respondem por cerca de 600 milhões, 90% desse montante. A dívida de Minas soma em torno de R$ 165 bilhões. Ao contrário da expectativa geral de uma proposta alternativa às diretrizes vigentes de renegociação das dívidas dos estados desde a década de 90 do século passado, a proposta de Rodrigo Pacheco manteve-se orientada pela insanidade tirania da austeridade fiscal, representando apenas nova embalagem para a lógica da recuperação fiscal.
Mesmo com a novidade da proposta do PROPAG e a prorrogação do prazo relacionado ao processo de adesão do Estado de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) até o dia 1º de agosto pelo Ministro Fachin, o Governador Romeu Zema continua enfrentando dificuldades na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e se esforçando para rebater críticas de que foi beneficiado pela liminar conquistada pelo Governo Fernando Pimentel (2015-2018) para não pagar a dívida. A ALMG aprovou em 1º turno o Projeto de Lei 1.202/19, que autoriza a adesão do RRF, cuja apreciação final ficou para a data-limite de agosto. Zema deu declaração de que foi ‘quem mais pagou dívida em Minas’, valendo-se de números indevidos que envolvem vários tipos de pagamento além dos devidos à União e desconsiderando os montantes que foram pagos pelo Governos Anastasia e Pimentel, conforme estudo do Sinfazfisco.
A incapacidade de Zema de negociar solução
O Senador Rodrigo Pacheco entrou no processo de renegociação da dívida, em nov/2023, em virtude da incapacidade do Governador Romeu Zema de, no mínimo, convencer os deputados na Assembleia Legislativa a apreciarem o projeto de lei para implementação do Regime de Recuperação Fiscal – RRF. O Governador Zema apresentou, em 2019, o programa que chamou de “Todos por Minas”, para obter autorização da Assembleia para o RRF, começando com o pedido para vender a CODEMIG- Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais. A proposta se transformou no Projeto de Lei 1.202/2019, que nunca chegou a ser votado, apesar do pedido do Governador para tramitação do texto em regime de urgência. Desde novembro de 2021, a pauta do plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais ficou trancada até início de março de 2022, quando foi retirado o pedido de urgência para votação do reajuste de 10,06% dos servidores estaduais. Em maio daquele ano, Zema novamente pediu urgência na tramitação, vindo, uma vez mais, trancar a pauta a partir de 24 de junho daquele ano, chegando, na sequência, a acumular 9 meses de trancamento.
A entrada do Senador Rodrigo Pacheco representou uma vitória da atuação do Presidente da Assembleia, Deputado Tadeu Martins Leite-MDB, diante do impasse na negociação com o Governador para votação das matérias na Casa e as dificuldades de trânsito do Governador em Brasília. A entrada do Senador trouxe a expectativa de solução inovadora para a dívida perante as exigências irracionais e ineficazes do Regime de Recuperação Fiscal.
Proposta de Pacheco: recuperação fiscal em nova embalagem
A proposta patrocinada por Pacheco seguiu à risca a cartilha da austeridade fiscal. Reescreve a lógica de recuperação fiscal em termos aparentemente mais aceitáveis, sem alterar seus fundamentos principais. Mantém a lógica de do pagamento de uma dívida já paga sob várias perspectivas de análise e desconsidera seu impacto sobre a dinâmica econômica e de gestão dos Estados. Continua a valer-se da venda estatais estaduais para abatimento de saldo. Autoriza, como forma de pagamento da dívida – o que está sendo chamado de ‘federalização’:
- Transferência de participações societárias em empresas de propriedade do Estado para a União, desde que a operação seja autorizada mediante lei específica tanto da União quanto do Estado. (art. 3º, II);
A proposta propõe teto de gastos a ser seguido pelos Estados, sem questionar o estoque ainda pendente da dívida:
- Os Estados optantes terão prazo de 12 (doze) meses, para instituir regras e mecanismos anuais para limitar o crescimento das despesas primárias à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em até 70% (setenta por cento) da variação real positiva da receita primária apurada, caso o Estado tenha apurado resultado primário positivo (art. 7º, III), dentre outros cenários.
Mantém a atualização do saldo da dívida de acordo com a Tabela Price:
- As parcelas do aditivo contratual terão valor calculado pela tabela price e corrigidas mensalmente, de forma a garantir a quitação da dívida no prazo previsto (art. 4º, § 2º).
E, assim, continua a comprometer a capacidade de investimentos dos Estados por mais de uma geração, por 30 anos:
- Os valores da dívida serão refinanciados em até 360 (trezentos e sessenta) parcelas mensais sucessivas (art. 4º, caput).
Por outro lado, a proposta do Senador Rodrigo Pacheco faz populismo, acenando com mecanismos que não enfrentam efetivamente o problema do ônus do endividamento para os Estados. Oferece a redução ‘premiada’ dos juros propostos no programa de 4% para 2% para Estados que, até dez/24, quitarem 20% do montante da dívida:
- O Estado que realizar a redução em, no mínimo, 20% (vinte por cento) da dívida apurada fará jus à taxa de juros de IPCA acrescido de 2% (dois por cento) ao ano (art. 5º, § 2º).
Cria um fundo para investimento intitulado Fundo de Equalização Federativa para usufruto de todos os estados da Federação com depósitos dos estados endividados:
- Os recursos do Fundo de Equalização Federativa deverão ser distribuídos anualmente entre os Estados, de acordo com critérios definidos em regulamento, respeitada a diferença máxima de três vezes entre os menores e maiores valores distribuídos para cada ente e o valor equivalente a um ponto percentual da parte que exceder o IPCA nos juros das parcelas dos aditivos será direcionado ao fundo. (arts. 11, caput, e 5º, § 3º).
Possibilita a quitação de dívida com ativos fiscais de contenciosos como créditos da dívida ativa, aceitando:
- A cessão de créditos líquidos e certos do Estado para com o setor privado, desde que previamente aceitos pela União, de créditos do Estado junto à União, reconhecidos por ambas as partes e de créditos inscritos na Dívida Ativa da Fazenda Estadual para a União (art. 3º, IV, V e VI).
Além disso, afagou o Ministro Fernando Haddad-PT, mantendo a sua proposta dos estados quitarem parcela do saldo da dúvida por meio da destinação de recursos para educação, tal como previa o programa ‘Juros por Educação’, apresentado março/2024. Autoriza que
- A parte que exceder ao IPCA nos juros possa ser direcionada para o investimento no próprio Estado em educação profissional técnica de nível médio, investimentos em infraestrutura para universalização do ensino infantil e educação em tempo integral, e em ações de infraestrutura de saneamento, habitação, adaptação às mudanças climáticas, transportes ou segurança pública, União (art. 5º, § 4º).
Apesar de seguir a cartilha da austeridade fiscal para os estados, a proposta não agrada a União. A redução dos juros impacto a meta de ‘déficit zero’ do Governo Federal incluída no Orçamento Geral da União para 2024. Nesta perspectiva, o Ministro Fernando Haddad já sinalizou a necessidade ajustes, que devem minimizar a perda de receita imposta pela proposta. O Senador Pacheco reconheceu que, de fato, sua ‘proposta ajuda a situação dos Estados, mas não da União’. Embora, de acordo com os princípios da austeridade fiscal, indiscutivelmente, a proposta represente efetivamente perda de receita para a União, o Senador Pacheco abriu mão, neste caso, em seu benefício, dessa interpretação e afirmou categoricamente :
“Não há nenhum tipo de irresponsabilidade fiscal nisso. Não vamos aceitar esse tipo de afirmação e que o Ministério da Fazenda seja propositivo para dar solução”.
Tirania da Austeridade e o silêncio dos inocentes
A proposta do Senador Pacheco alimenta a tirania da austeridade fiscal, porque não enfrenta o problema objetivo que a amortização da dívida representa para os Estados: limitação para investimentos. Ao invés de reconhecer por meio de uma auditoria, senão de parecer técnico, que os valores contratualizados há mais de 3 décadas já teriam sido quitados, ou de buscar solução para lastrear o estoque contábil da dívida em títulos negociáveis, mantém os Estados endividados por mais outras 3 décadas.
Enquanto isto, nos corredores da vida pública, uma parte expressiva das forças políticas nacionalistas e populares reconhece calada o absurdo da manutenção da cobrança da dívida. Permanecem, tal como quando se adentram os cemitérios: os vivos entram em silêncio e os mortos permanecem em silêncio, para que tudo permaneça como está.