Pesquisas eleitorais via internet geram resultados enviesados

Na sexta, dia 16 de agosto, começam oficialmente as campanhas para prefeito e vereadores em todo o Brasil. No dia 30 de agosto, começa a campanha no rádio e televisão. Até agora, as pesquisas divulgadas trazem, na liderança da corrida eleitoral para a Prefeitura de Belo Horizonte, o apresentador de TV, Mauro Tramonte – Republicamos (DataTempo, 04 e 11/08/24) com 27,6% das intenções estimuladas de voto, seguido por Bruno Engler – PL com 10,8%, empatado com a deputada federal Duda Salabert – PDT, com 10,1%. O candidato do PT, deputado federal Rogério Correia, registrou 7,8% de intenções, também embolado com os anteriores devido à margem de erro.

As pesquisas eleitorais são sempre a grande vedete das eleições. A partir delas, formam-se as expectativas dos eleitores, dos mais eruditos aos mais populares. Por mais que os institutos de pesquisa insistam que elas são apenas uma fotografia do momento e que não são uma mensuração de um resultado esperado, a imprensa não trabalha assim. Divulga os resultados de modo que o eleitor, ao tomar conhecimento das previsões, acabe por considerar como fato consumado o desempenho apontado. E, nessa perspectiva, as pesquisas condicionam fortemente o andamento da disputa eleitoral, contribuindo para que o eleitorado firme convicção sobre qual candidato estaria com melhor ou pior desempenho. Eventualmente, podem também induzir o eleitor ao chamado voto útil, seja para ‘votar em quem vai ganhar’, seja para que voto a ser dado ‘evite que determinado candidato vença’, dentre outras externalidades.

As pesquisas, portanto, têm grande impacto sobre a dinâmica eleitoral. Por sua vez, diferenças metodológicas entre cada uma delas como método de entrevista, tipo de questionário, amostra, margem estatística de erro, período de realização, etc. podem levar a resultados diferentes. Por isso, a realização de pesquisas eleitorais está sujeita à rigorosa regulação legal pelo Tribunal Superior Eleitoral – TSE. De acordo com a Lei nº 9.504/1997, “as entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar, junto à Justiça Eleitoral, até cinco dias antes da divulgação” (art.33), informações sobre quem contratou a pesquisa, metodologia e período de realização da pesquisa, plano amostral e ponderações de estratificação, intervalo de confiança e margem de erro, questionário completo. Essas informações podem ser consultadas no site do TSE (Acesse aqui).

A importância de divulgação dos parâmetros metodológicos pode ser compreendida tomando-se a pesquisa realizada pela AtlasIntel Tecnologia de Dados Ltda, realizada entre os dias 11 e 14 de julho de 2024, sob o registro MG-09809/2024. A pesquisa mostra o candidato Bruno Engler com 29,4% das intenções de voto, uma vantagem de 12 pontos percentuais sobre o segundo colocado, o deputado federal Rogério Correia (PT), que registra 16,6%. Esse resultado é completamente diferente de outras pesquisas divulgadas recentemente (veja artigo sobre avaliação de pesquisas), em que Engler aparece em 2º lugar bem atrás do líder, Tramonte, e Correia em 6ª colocação nas intenções de voto. Na reportagem da Revista Exame, que divulgou o resultado, aparece, nas últimas linhas da matéria, a menção à característica metodológica da pesquisa, que discretamente ajuda a entender a enorme diferença dos resultados.

A pesquisa AtlasIntel de 02 a 07/08 foi realizada por meio do algoritmo Atlas Random Digital Recruitment – RDR, diferentemente da metodologia das pesquisas tradicionalmente realizadas de forma presencial (Veja quadro abaixo). Conforme esclarece o instituto, “os entrevistados são recrutados organicamente durante a navegação de rotina na web em territórios geolocalizados em qualquer dispositivo smartphones, tablets, laptops ou PCs)”. O algoritmo, portanto, por definição, carrega um viés metodológico, favorecendo a seleção de respondentes, no mínimo, contumazes navegadores da internet, o que, certamente, colide com o perfil de respondentes de várias faixas de renda e etárias, que têm outras preferências.

O instituto tenta argumentar em seu relatório a favor da metodologia, afirmando que “em comparação com pesquisas presenciais domiciliares ou em pontos de fluxo, RDR evita o eventual impacto psicológico da interação humana sobre o respondente na hora da entrevista: o respondente pode responder o questionário em condições de plena anonimidade, sem temer causar uma impressão negativa para o entrevistador ou para pessoas que eventualmente podem estar ouvindo as respostas compartilhadas durante a entrevista”. Consideração essa que ataca todo e qualquer tipo de questionário preenchido presencialmente, e mereceria um debate metodológico à parte mais acurado…

Portanto, esta pesquisa apresenta indiscutível viés metodológico. Uma vez divulgados os resultados, o eleitor em seu anonimato não estará submetido ao zelo de se considerar possíveis ressalvas metodológicas tais como as descritas no documento apresentado ao TSE. Assim, um produto supostamente estruturado cientificamente transforma-se em veículo para narrativas carentes de realismo, o que leva seu conteúdo a se aproximar daquilo que inunda, na atualidade, a formação da opinião pública, as chamadas fake news

Aliás, este tipo de produto da AtlasIntel está se espalhando pelo Brasil como mostra a pesquisa divulgada em Belém- PA, no dia 15 de agosto, que traz o candidato Igor Normando – MDB apoiado pelo Governador Helder Barbalho – MDB, com 36,5% das intenções de voto, tecnicamente empatado com o candidato Éder Mauro – PL, que tem 34,7%. Esse resultado vai na contramão de outra pesquisa realizada pelo instituto Datailha entre os dias 08 e 10 de agosto (PA – 01947/2024), que, no cenário estimulado, mostra Igor Normando com 21,5% das intenções de voto, Edmilson Rodrigues com 20,1% e Éder Mauro com 18,3%, todos tecnicamente empatados. Repare que, ao se computar o resultado apurado para o atual prefeito, Edmilson – PSOL, que aparece em 3º lugar com 15,5%, o total de intenções na pesquisa via internet acumula 86,7% de intenções declaradas de voto, indicando somente 3,5% de indecisos, cenário completamente irreal para qualquer município do país, neste momento em que as campanhas ainda nem começaram.

A AtlasIntel está realizando pesquisas com essa abordagem metodológica em diversas cidades. Em São Paulo, em pesquisa realizada nos dias 2 e 7 de agosto, sob o registro SP – 05924/2024, Guilherme Boulos – PSOL aparece com 32,7% das intenções de voto, cerca de 8 pontos percentuais à frente do atual prefeito Ricardo Nunes – MDB, com 24,9% das expectativas de voto. Os indecisos computados foram apenas 0,6% dos respondentes! No registro oficial, o instituto qualifica a metodologia como “pesquisa quantitativa com coleta aleatória via questionário estruturado web e pós-estratificação da amostra de acordo com as características do eleitorado de São Paulo – SP”. A pesquisa Datafolha, feita entre 6 e 7 de agosto, estima Nunes com 49% e Boulos 36%, resultado bem diferente da pesquisa via web.

No Rio de Janeiro, a pesquisa AtlasIntel, registro RJ – 08188/2024, realizada também entre os dias 2 e 8 de agosto, mostra liderança do atual prefeito Eduardo Paes – PSD, com 45,8% das intenções de voto e Alexandre Ramagem – PL com 32,3%. Os indecisos são apenas 1,2% dos respondentes. Na pesquisa Datafolha (RJ – 06701, realizada entre 2 e 4 de julho, o prefeito Eduardo Paes aparece com 53,0% das intenções de voto, seguido por Tarcísio Motta – PSOL com 9%, e Alexandre Ramagem – PL com 7%, candidatos empatados, uma discrepância de resultados em tão curto prazo. 

A realização de pesquisas no ambiente virtual das redes sociais é um grande desafio. Por lá, circula uma multidão de cidadãos e organizações. As gestoras dessas plataformas como Google e Meta dispõem de registros que permitem identificar vários usuários, que navegam formalmente. Esse é o caso de candidatos, empresas e instituições, por exemplo, que contratam serviços de propaganda. Por sua vez, a identificação e seleção de usuários, pessoas físicas, no mundo web, a partir de seus IP- Internet Protocol não é algo trivial. Um localizador de IP não oferece informações de identificação de caráter pessoal, como nome, e-mail, número de telefone, endereço residencial, etc. O que demanda mediações metodológicas complexas para sua segmentação. Também a seleção de redes sociais por meio de segmentações sócio-econômicas, culturais, étnicas e etárias demanda algoritmos complexos e, por princípio, igualmente não triviais.

O custo de uma pesquisa é sempre uma variável definidora da oportunidade de sua realização. Os dados oficiais mostram que, unitariamente, a pesquisa via internet é mais barata. A AtlasIntel declarou o custo total de R$ 35.000 para a pesquisa em Belo Horizonte-MG para 1.599 respondentes, o que corresponde ao custo médio de R$ 21,89 por entrevista. As pesquisas DataTempo custaram, em média, R$ 26,11, valor 19,3% mais caro. Já as pesquisas Quaest e Datafolha custaram, respectivamente, R$ 83,90 e R$ 126,82, valores que chegam a ser 4 a 6 vezes maiores do que a solução web. Não resta dúvida de que esta solução será perseguida nos próximos anos. Esperamos que ela venha com as devidas salvaguardas metodológicas, hoje inexistentes.