Debate: Teto de Gastos

 No segundo programa da série Estado das Coisas em Debate: a agenda de desenvolvimento e democratização que o Brasil precisa, trazemos o tema Teto de Gastos: propostas para uma agenda na próxima década, com a profª. Esther Dweck, do Instituto de Economia da UFRJ. A profª. Esther foi Secretária do Orçamento Federal no Governo Dilma Roussef e apresenta dados sobre o desmonte das políticas sociais e dos investimentos que o mecanismo do ’teto de gastos’ criado pela Emenda Constitucional nº 95/2016 deu início e que se agravará até 2036, data limite de sua vigência. Propõe também mudanças necessárias na gestão fiscal em um próximo governo popular.

Como debatedores, o programa contou com Fernando Damata Pimentel, ex-Governador do Estado de Minas Gerais, Maurício Borges Lemos, ex-Diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social-BNDES, e Marco Aurélio Crocco, ex-Presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais-BDMG.

O Estado das Coisas do Teto de Gastos na Gestão Fiscal

O tema Teto de Gastos é o conceito que melhor resume na atualidade os princípios que estão vigorando na gestão fiscal do país. O mecanismo ganhou plena materialidade com a aprovação da Emenda Constitucional nº 95 em 2016, durante o Governo Michel Temer. O objetivo do Teto de Gastos aprovado é o de reduzir o tamanho do Estado brasileiro, por meio da contração das despesas públicas federais.

Na verdade, esse mecanismo atinge mortalmente as conquistas sociais desde a Constituição de 88. De acordo com a nossa convidada, nos 20 anos anteriores à EC 95, entre 1997 a 2016, o gasto primário do Governo Central cresceu de 14% para 19% do PIB, com a implantação do Sistema Único de Saúde – SUS, do Sistema Único de Assistência Social, o financiamento da Educação em todos níveis, com a implementação do Bolsa Família, subsídios para a Agricultura Familiar, dentre várias outras iniciativas. Nos 20 anos previstos de duração do mecanismo do teto de gastos, contados de 2017 a 2036, a estimativa é de que o gasto primário do Governo Federal reduza para a casa dos 13,2% do PIB em 2036. Mantido o mecanismo do teto de gastos, será necessário a revisão de várias despesas obrigatórias que incluem benefícios sociais, como abono e seguro-desemprego, Bolsa Família, o pagamento de servidores de todas as áreas, além de atingir parcialmente os gastos com educação e saúde.

Na verdade, o assunto ‘teto de gastos’ faz parte da cartilha liberal que o apresenta como mecanismo para a alavancagem do crescimento econômico. Ele se apoia em um diagnóstico equivocado de que o desequilíbrio fiscal é a raiz dos problemas econômicos e o excesso de gastos públicos é a sua causa. A partir daí, grande parte dos economistas e partidos políticos e, sobretudo dos organismos internacionais como Fundo Monetário Internacional-FMI e Banco Mundial, vem defendendo nos últimos 50 anos, com destaque para as formulações do Consenso de Washington nos anos 80 do século passado, a promoção de uma ‘política de ajuste fiscal’ sistemática. Essa prática foi protagonizada por EUA e Grã-Bretanha, porém, sem sucesso como mostram os dados desses países em que a proporção da dívida pública em relação ao PIB continuou a crescer apesar da retórica de contenção dos gastos.

No Brasil, o tema está na agenda fiscal desde 2000 com a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00) mais precisamente ele foi introduzido formalmente na gestão fiscal brasileira em 1995 por meio do Programa de Apoio à Reestruturação e ao Ajuste FiscalPAF de Estados desde então e até hoje conduzido pela Secretaria do Tesouro Nacional-STN sem sucesso na contenção do déficit público, como demonstra os estado das contas públicas ao longo da última década do Rio Grande do Sul, da Paraíba, do Rio de Janeiro e atualmente do Estado de Minas Gerais.

Este processo de contenção dos gastos como remédio para a gestão fiscal não se resume no Brasil ao mecanismo exclusivamente do ‘teto de gastos’. Ele envolve os mecanismos do contingenciamento, o conceito de despesas obrigatórias e discricionárias, introduzidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o conceito de ’regra de ouro’, mais o conceito de limite/crescimento de despesas primárias introduzidos pelas leis de recuperação fiscal. Combinados, esses mecanismos levam ao desfocamento do debate para a revisão de seus efeitos, deixando em segundo plano o debate sobre a ampliação e o modo de financiamento das políticas sociais e dos investimentos.

A eleição de um governo popular nas próximas eleições exigirá obrigatoriamente o fim desse mecanismo. Mais do que isto, demandará a implementação de uma política de financiamento do investimento público e de ampliação das políticas sociais, capaz de dialogar com a dinâmica macroeconômica e que, politicamente, não seja desqualificada pelo mercado.

Este desafio não é pequeno. Tem como pano de fundo o enfrentamento de uma baixa carga tributária, além de sua regressividade perversa, a necessidade imperiosa de ampliação dos gastos com Saúde, que é um setor com baixo peso nas despesas governamentais e uma fragilíssima estrutura de financiamento; o desafio de implementação da revisão do FUNDEB (EC nº 108/20) aprovada em 2020 e o próprio enfrentamento do desemprego e da exclusão social com subsídios e transferência de renda, hoje o Auxílio Brasil, inclusive aprovado sem fontes de financiamento claras, o financiamento da infraestrutura logística que o país precisa para o crescimento econômico, além de enfrentar o novo contexto de autonomia do Banco Central e a questão de financiamento da dívida pública.

Diante de tantos desafios, como construir uma agenda positiva de mudanças na próxima década? O que precisamos priorizar para mudar esse estado de coisas na gestão fiscal do Estado Brasileiro?