Seis pontos para se pensar o projeto chavista na Venezuela

Segmentos da extrema esquerda vêm tendo um comportamento bizarro na interpretação da conjuntura, no qual a narrativa cria “verdades” absurdas. Neste ponto, ficam muito parecidos com a extrema direita, cuja base do discurso é a mentira a serviço de uma narrativa.

Ao contrário da extrema direita, que centra sua narrativa no combate ao demônio e na ameaça aos valores, para a extrema esquerda, o “demônio” é o imperialismo, que teria como núcleo central os EUA. A única diferença é que o potencial de disseminação do discurso da extrema esquerda é muito pequena.

Esta dialética rasteira, que se nega a enxergar a realidade capitalista multifacetada e em processo de dissolução, acaba, por vezes, turvando a agenda da esquerda, às voltas com a necessidade, cada vez mais urgente, de se construir um projeto socialista. E o único caminho para a esquerda é ter a realidade e a verdade não apenas como forma de contraponto à extrema direita, mas como elementos essenciais para a construção do seu projeto.

A situação atual da Venezuela ilustra estes pontos. Na sua avaliação, tem predominado a narrativa da extrema esquerda, turvando o discernimento da própria esquerda. Nessa narrativa esquecem a realidade em que o país se inseriu com o chavismo.

A Venezuela estava semiestagnada desde os anos 80 do século passado, incapaz de diversificar sua economia para além da produção de petróleo. Em 1998, surgiu Hugo Chávez e seu discurso anti-imperialista. Baseou-se no populismo autoritário, centrado na entronização do poder militar nas principais esferas do governo. Num primeiro momento, coincidindo com o boom das commodities, a proposta chavista poderia parecer que estava no caminho certo. Entretanto, desde 2012, o modelo começou a fazer água. Eis aqui os fatos:

  1. A inflação subiu para 56,2% em 2013.
    1. Em 2018, chegou a 130.060% no quinto ano de Nicolás Maduro como presidente.
    1. De 2019 em diante, logrou controlar a hiperinflação, sendo possível que ela chegue em 2024 aos “módicos” 80% a.a..
    1. A produção de petróleo, que era de cerca de 3 milhões de barris/dia em 1998, ficou relativamente estagnada até 2012 e desabou a partir de 2013, estando atualmente no patamar de cerca de 700 mil barris/dia.
    1. O PIB, que ficou relativamente estagnado desde 1998, começou a desabar a partir de 2012, saindo do patamar de US$ 340 bilhões para cerca de R$ 102 bilhões estimados em 2024.
    1. Como consequência, o país passou por uma crise migratória, com a emigração que teria sido de cerca de 2 milhões no período Chavéz, passando para cerca de 7 milhões no período Maduro. No total, cerca de 9 milhões de venezuelanos e venezuelanas saíram do país em todo período chavista.

    Enfim, os fatos mostram que o chavismo é um projeto fracassado e é um erro grave que passa por vários segmentos da própria esquerda atribuir o fracasso ao “imperialismo”. Aliás, apenas a posteriori, depois de consumado o desastre econômico, em 2019, que Donald Trump decretou bloqueio comercial, afetando muito pouco o comércio venezuelano, já que sua produção petrolífera já havia desabado… Embora isso tenha servido para alimentar o discurso anti-imperialista de Maduro e da extrema esquerda.

    Neste momento eleitoral na Venezuela, não há dúvida de que é preciso aguardar as atas para não restar dúvida sobre o resultado já proclamado. No Brasil, esse protocolo é padrão e, com certeza, a esquerda não aceitaria ser diferente. Não resta dúvida também de que, na ausência desses protocolos básicos, o “imperialismo” se aproveite para enfraquecer o chavismo e alimentar sua saga contra os projetos de esquerda.