Primeira Infância: o desafio de uma agenda para o Brasil

A Primeira Infância é conceituada como o período entre a gestação e a idade de 6 anos. É a etapa de formação em que são desenvolvidas as bases das capacidades física, cognitiva, linguística e socioemocional dos seres humanos. Constitui um momento especial do desenvolvimento do indivíduo, onde situações adversas irão resultar em consequências duradouras. Por sua vez, intervenções tardias para enfrentar as externalidades negativas acumuladas nesse período envolvem o enfrentamento de externalidades mais complexas junto a jovens adultos, cujos resultados tendem a ser menos estáveis e os custos financeiros das iniciativas maiores, como veremos a seguir a partir de considerações do Banco Mundial sobre como investir na Primeira Infância.

Políticas direcionadas para os diversos problemas que afligem as crianças nesses primeiros anos de vida têm o potencial de superar as tendências negativas que instalam, gerando cenários prospectivos potencialmente de mais oportunidades e melhores resultados em termos de acesso à educação, qualidade da aprendizagem, crescimento físico e saúde, e, eventualmente, produtividade. Do mesmo modo, as crianças em melhor situação se beneficiam da participação nas intervenções em desenvolvimento da primeira infância de qualidade em razão de suas externalidades positivas. Os efeitos dessas políticas afetam cumulativamente a vida dos indivíduos, tornando-se investimentos cuja relação custo-efetividade é a melhor que um país pode fazer para o desenvolvimento humano e a formação de capital humano da nação (Heckman, 2008).

Insuficiências no desenvolvimento antes de 6 anos de idade são difíceis de compensar mais tarde na vida, porque a infância é um período particularmente importante na formação do cérebro. Estudos neurológicos têm mostrado que as sinapses (ou seja, as conexões ou caminhos entre os neurônios no sistema nervoso) se desenvolvem rapidamente durante esse período, formando a base do funcionamento cognitivo e emocional para o resto da vida da criança (Young e Mustard, 2007). A nutrição inadequada desde a concepção até a idade de 2 anos leva a sérios atrasos cognitivos em crianças em idade escolar (Grantham-McGregor et al., 2007). Além disso, entre crianças em idade pré-escolar, os atrasos linguísticos e cognitivos podem se acumular rapidamente se não forem tratados com atenção. Assim, tanto a nutrição apropriada, especialmente desde a concepção até os 2 anos de idade, quanto a estimulação nos primeiros 5 anos de vida desempenham papel crítico no processo de formação e desenvolvimento cerebral, principalmente auxiliando na multiplicação de sinapses e no processo de mielinização, ambos essenciais para o normal funcionamento do sistema nervoso (Banco Mundial, 2006; Nelson, De Haan e Thomas, 2006).

O Marco Legal para Primeira Infância

As políticas direcionadas para a Primeira Infância encontram-se delimitadas no Marco Legal da Primeira Infância – MPLI (Lei nº 13.257, de 08/03/2016). O Marco estabelece princípios e diretrizes para a implementação dessas políticas públicas, assim como define áreas prioritárias para atuação como saúde, alimentação e nutrição, educação infantil, convivência familiar e comunitária, brincar (art. 5º), dentre diversas outras. Complementarmente, o Plano Nacional pela Primeira Infância – PNPI detalha investimentos e ações de proteção e de promoção dos direitos das crianças na primeira infância. Trata da promoção de direitos tradicionais, objeto de cuidados há anos, como direito à vida, à alimentação, à educação infantil, a uma família, à assistência social, dentre outros, e também de direitos recentes tais como à convivência familiar e comunitária, defesa da integridade física, psicológica e moral, saúde mental, ao brincar, registro civil e à certidão de nascimento, além de diversos outros.

O Marco Legal convalidou princípios importantes para o planejamento, monitoramento e avaliação das políticas para o desenvolvimento da primeira infância. Propõe a criação de um Comitê Intersetorial no âmbito dos entes públicos, para tratar dedicadamente da temática. Destaca a relevância da coleta sistemática de dados e o papel da União de dar publicidade aos recursos aplicados no conjunto de programas e serviços para primeira infância, inclusive do conjunto de entes da Federação.

Art. 7º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir, nos respectivos âmbitos, comitê intersetorial de políticas públicas para a primeira infância com a finalidade de assegurar a articulação das ações voltadas à proteção e à promoção dos direitos da criança, garantida a participação social por meio dos conselhos de direitos. MPLI
§ 1º Caberá ao Poder Executivo no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios indicar o órgão responsável pela coordenação do comitê intersetorial previsto caput deste artigo.
Parágrafo único. A União buscará a adesão dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios à abordagem multi e intersetorial no atendimento dos direitos da criança na primeira infância e oferecerá assistência técnica na elaboração de planos estaduais, distrital e municipais para a primeira infância que articulem os diferentes setores."
Art. 11. As políticas públicas terão, necessariamente, componentes de  monitoramento e coleta sistemática de dados, avaliação periódica dos  elementos que constituem a oferta dos serviços à criança e divulgação dos seus  resultados. MPLI
§ 2º A União informará à sociedade a soma dos recursos aplicados  anualmente no conjunto dos programas e serviços para a primeira infância e o  percentual que os valores representam em relação ao respectivo orçamento  realizado, bem como colherá informações sobre os valores aplicados pelos  demais entes da Federação.

O Plano Nacional pela Primeira Infância – PNPI, elaborado entre 2009 e 2010, com vigência inicial até 2022, foi revisto e atualizado entre o segundo semestre de 2019 e o primeiro de 2020, passando a vigorar até 2030. Dada a natureza multissetorial do desenvolvimento da primeira infância, o PNPI se articula com o Plano Nacional de Educação (2014-2024), o Plano Nacional de Saúde, o Plano Nacional de Assistência Social, o Plano Nacional de Cultura, o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária e também com o Plano de Ação para Implementação da Agenda 2030ODS. O Plano ressalta a necessidade do Estado, por meio dos entes de suas diversas esferas (federal, estadual e municipal), de atender com prioridade absoluta, ao compromisso constitucional de garantir à criança os direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação infantil, ao lazer e ao brincar, à informação, à cultura e à diversidade cultural, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

O Plano Nacional pela Primeira Infância abrange todos os direitos das crianças na faixa etária de 0 a 6 anos, considerados tradicionais como os direitos à vida, à alimentação, à educação infantil, a uma família, à assistência social, entre outros, objeto de cuidados há anos. Destaca diversos novos direitos, que têm sido objeto de atenção governamental mais recente como direito:

  • I) à convivência familiar e comunitária;
  • II) à defesa da integridade física, psicológica e moral;
  • III) à saúde mental;
  • IV) ao brincar, que implica ter brinquedos, espaço e tempo de brincar;
  • V) ao registro civil e à certidão de nascimento;
  • VI) à individualidade, que gera o direito de ser diferente e o dever de ter respeitada a sua diversidade;
  • VII) de participar e ser ouvida;
  • VIII) à cultura já na primeira infância;
  • IX) ao nome do pai e da mãe;
  • X) de ser protegida dos apelos para o consumo;
  • XI) à natureza;
  • XII) ao espaço;
  • XIII) à cidade;
  • XIV) a um meio ambiente não contaminado; e
  • XV) à paz, entre outros.

Na revisão e atualização do Plano, essa nova realidade levou à inclusão de novos temas: a criança e a cultura, a atenção à gravidez na adolescência, o lugar do homem no cuidado à família, à gestante, à mãe e à criança, o controle no uso das telas digitais, a atenção às crianças de comunidades e de povos tradicionais, o sistema de justiça e as crianças, as crianças nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, as empresas e os direitos das crianças. Essa nova abordagem foi organizada em 18 (dezoito) ações finalísticas, buscando constituir uma agenda de realizações que “transcende o escopo e o caráter de Plano de Governo”, e “desvinculam o Plano de um determinado partido e de um governo em particular e o ligam às funções permanentes do Estado na prestação de um serviço essencial para uma população específica: as crianças pequenas” (2020:24).

Ações Finalísticas | Plano Nacional Primeira Infância 2020-2030

AÇÕES FINALÍSTICAS
Crianças com Saúde
Educação Infantil
As famílias e as Comunidades das Crianças
Assistência Social às Famílias com Crianças na Primeira Infância
Convivência Familiar e Comunitária às Crianças Vítimas de Violação  de Direitos: Acolhimento Institucional, Apadrinhamento Afetivo, Família Acolhedora, Adoção
Do Direito de Brincar ao Brincar de Todas as Crianças
A criança e o Espaço, a Cidade e o Meio Ambiente
Crianças e Infâncias Diversas: Políticas e Ações para as Diferentes Infâncias
Enfrentando as Violências contra as Crianças
Assegurando o Documento de Cidadania a Todas as Crianças
Protegendo as crianças contra a pressão consumista
Evitando a Exposição Precoce das Crianças aos Meios de Comunicação e ao Uso de Telas Digitais
Evitando Acidentes na Primeira Infância
A Criança e a Cultura
O Sistema de Justiça e a Criança
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para e com as Crianças
As Empresas e a Primeira Infância
O Direito à Beleza