As constantes crises enfrentadas pelo chamado presidencialismo de coalizão no Brasil colocam reiteradamente a discussão sobre o sistema de governo adequado para o país. Às vésperas das eleições de 2022, surge a tentativa liderada pela Presidência da Câmara de Deputados de aprovar o instituto do ‘semi-presidencialismo‘. Desde a posse de Michel Temer, esta alternativa tem se apresentado enquanto uma tentativa de esvaziamento das prerrogativas do presidente, especialmente se oriundo do campo popular, como um suposto mecanismo de controle democrático. Ao contrário de uma solução política destinada à redução de prerrogativas, é preciso se debater e se construir a solução política que estabilize de pactuações e decisões na arena pública do Estado Brasileiro.
3.4. Presidencialismo versus Parlamentarismo extraído de Lemos, Maurício Borges. Um Novo Projeto para o Brasil. São Paulo, 2019
Em 1961, o Congresso Nacional, respaldado pela mídia conservadora da época e pelos militares, atropelou a Constituição e criou um sistema parlamentarista, para que fosse absorvida a posse, como presidente da República, do vice-presidente eleito João Goulart, em substituição ao renunciado Jânio Quadros. Nesse contexto, o plebiscito de 1962 entre parlamentarismo e presidencialismo resultou na derrota acachapante do primeiro, já que a população o interpretou, corretamente, como sinônimo de golpe.
Em 1993, novamente, conforme definido pela Constituinte de 1988, houve novo plebiscito para a definição entre parlamentarismo e presidencialismo, com a vitória esmagadora (2/3) deste último. Daí a conclusão de que essa é uma questão superada, dada a rejeição do povo brasileiro ao parlamentarismo já manifestada de forma contundente em dois plebiscitos.
Entretanto, pode-se afirmar que a efetiva rejeição, seja em 1962, seja em 1993, foi ao parlamento de carne e osso que ali existia nos dois períodos. Dadas e estabelecidas as regras atuais de eleição do parlamento, a discussão parlamentarismo × presidencialismo está irremediavelmente comprometida. Para ficar no período mais recente, a Constituinte de 1988, ao se propor a ouvir a população, o que incluiu até mesmo a bizarra consulta sobre a volta da monarquia, deveria fazê-lo de forma completa, não podendo fatiar a discussão do parlamentarismo da discussão da forma de escolha do próprio parlamento. Criou-se, assim, mais uma unanimidade cordial, o mito da rejeição do povo brasileiro ao sistema parlamentarista, que vem pagando o pato da verdadeira rejeição dos brasileiros ao modo da representação e do funcionamento do parlamento, seja aquele que existia até 1964, e, docemente, respaldou o Golpe Militar, seja o atual.
O parlamentarismo, que esteve sempre presente no projeto socialista, seja aquele mais utópico e radical idealizado por Karl Marx, seja aquele cristalizado na social-democracia europeia, que veio sendo construído ao longo dos séculos XIX e XX, é a forma mais avançada de governo. O presidencialismo, ao contrário, possui implicitamente caráter autoritário e majestático. Só é justificável por razões históricas, como é o caso dos Estados Unidos. Ali, a Revolução Americana atuou para derrubar o Rei da Inglaterra), substituindo-o por um presidente. Para mitigar o caráter autoritário dessa instituição, o Sistema Americano criou vários contrapesos, no Judiciário e, principalmente, no Legislativo, o que, por vezes, adquire caráter disfuncional. Assim, o sistema americano é estruturalmente ruim, embora, com os contrapesos, possa ser considerado um dos “menos ruins” dos presidencialismos que já existiram ou existentes.