Vitória lá, mas não em BH: breve balanço da eleição municipal

A eleição municipal deste ano, em razão de sua importância política e da complexidade de seus resultados, tem suscitado muitas análises e discussões acaloradas, sob diferentes perspectivas e com múltiplas e divergentes conclusões. Este texto tem o objetivo de contribuir com o debate público, buscando, inicialmente, interpretar o resultado mais geral alcançado pela esquerda no processo eleitoral deste ano em Belo Horizonte e, na sequência, examinar os aspectos principais em termos nacionais.

A derrota da extrema-direita no 2º turno da eleição deste ano em Belo Horizonte, embora seja motivo de comemoração, não pode obscurecer a necessidade de uma análise realista a respeito das condições políticas bastante adversas que ainda persistem para as forças progressistas de esquerda na capital do 2º maior colégio eleitoral do país e uma das mais importantes metrópoles brasileiras. A própria votação expressiva alcançada pelo candidato da extrema-direita, forçando a realização do 2º turno, já seria motivos mais do que suficientes de preocupação.

De fato, a extrema-direita tem demonstrado vitalidade crescente em Belo Horizonte, cidade que, em passado não muito distante, recebeu a alcunha de “capital vermelha”, por conta das sucessivas e consagradoras vitórias do PT. Basta verificar que o jovem e imaturo político extremista Bruno Engler (PL) conseguiu mais do que triplicar a sua votação entre as eleições municipais de 2020 e 2024, passando de 123.215 para 435.853 votos – considerando somente o primeiro turno dos respectivos pleitos.

As forças de esquerda, por sua vez, obtiveram resultado pífio. Na verdade, uma análise retrospectiva, que considera o contexto político e econômico vigente em cada eleição, permite qualificar o resultado eleitoral de 2024 como o mais débil alcançado pela esquerda em Belo Horizonte no período recente.

Em 2016, considerando o desempenho conjunto dos candidatos do PT-PCdoB (Reginaldo Lopes) e do PSOL (Maria da Consolação), a fração mais organizada e representativa da esquerda contabilizou 134.949 votos – o equivalente a 11,3% dos votos válidos do 1º turno. Foi uma eleição duríssima para a esquerda, não somente em Belo Horizonte, mas em todo país, pois o golpe que interrompeu abruptamente o governo de Dilma Rousseff acabara de ser consumado e a Operação Lava-Jato estava em seu auge. Ademais, em razão do Golpe-2016, a crise econômica eclodiu, atingindo seu ápice justamente naquele ano – no biênio 2015-2016, o PIB brasileiro acumulou variação negativa de quase 7%.

Em 2020, o contexto político e econômico que circundou as eleições municipais foi igualmente crítico e adverso para a esquerda. O país, além de vivenciar naquele momento a crise pandêmica, estava sob a inqualificável gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em uma campanha desenvolvida praticamente de forma virtual, a esquerda em Belo Horizonte obteve 128.657 votos, o que correspondeu a 10,4% dos votos válidos do 1º turno, considerando o desempenho conjunto dos candidatos do PT (Nilmário Miranda), do PSOL (Áurea Carolina) e do PCdoB (Wadson Ribeiro).

Na eleição municipal deste ano, encerrada no último domingo de outubro, o quadro político e econômico para a ação das forças de esquerda foi distintivamente melhor do que o observado nas disputais eleitorais anteriores. O retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República e a trajetória macroeconômica relativamente mais positiva, combinada com o revigoramento das políticas sociais e com a expansão do mercado de trabalho, alteraram de forma significativa o contexto geral e, assim, a esquerda parecia estar em condições de recuperar maior protagonismo na disputa municipal. Em Belo Horizonte, o deputado federal Rogério Correia (PT) conseguiu costurar uma aliança partidária ampla no campo da esquerda, viabilizando a sua candidatura pela coligação BH da Esperança, formada por PT, PSOL, PCdoB, PV, Rede e PCB. A despeito desse cenário mais promissor, a frente de esquerda obteve apenas 55.393 votos, 4,4% dos votos válidos do 1º turno – o que significou menos da metade do total de votos conquistados pelas forças de esquerda nos pleitos de 2016 e 2020.

Chama a atenção o grau de descolamento entre a votação alcançada pela esquerda nas eleições majoritária e proporcional. Como pode ser observado na Tabela 1, os candidatos a vereadores pelos partidos da Frente BH da Esperança alcançaram 209.528 votos, total que correspondeu a quase quatro vezes a votação obtida pelo candidato a prefeito da coligação. Situação diversa ocorreu com os cinco candidatos que conseguiram votação superior à de Rogério Correia: a coligação de todos eles contabilizou mais votos na majoritária do que na proporcional.


Esse descolamento na votação majoritária e proporcional da Frente BH da Esperança sugere que a candidatura de Rogério Correia foi amplamente “cristianizada” pelos partidos que compuseram a coligação e evidencia que persiste a fragmentação programática, tática e estratégica no campo da esquerda, que não conseguiu de fato ser unificada em torno de uma diretriz de poder hegemônica.

Um aspecto importante a ressaltar é que esse mesmo padrão disperso e difuso que caracterizou a ação da esquerda no 1º turno tendeu a ser replicado no 2º turno, com partidos e lideranças da Frente BH da Esperança agindo de forma individual e pragmática na fase final da disputa eleitoral com a extrema-direita. Assim, é possível considerar que a esquerda atuou somente como força auxiliar e caudatária na luta contra a extrema-direita em Belo Horizonte, explicitando uma fragilidade já persistente e prolongada deste campo político, que parece mesmo ter decidido abdicar do necessário protagonismo político requerido pelos embates com o ascendente neofascismo-pentecostal que vai, gradualmente, se firmando como polo de poder efetivo na capital mineira.

A vitória que a centro-direita obteve sobre a extrema-direita na disputa eleitoral de Belo Horizonte, resultando na reeleição de Fuad Noman (PSD) para mais um mandato à frente da administração municipal, é uma tradução bastante fiel da principal dinâmica da eleição deste ano: o avanço da direita liberal, especialmente a sua fração que se organiza em torno do PSD, MDB e União Brasil. Essas três legendas de direita foram as mais vitoriosas, conseguindo eleger os prefeitos de 2.346 municípios, sendo 14 capitais, além de 20.054 vereadores. Sob a gestão desses partidos estarão 72,5 milhões de eleitores.

Pode-se dizer que o país saiu desta eleição municipal posicionado mais à direita. Mas, ainda que possa ser considerado contraditório para alguns, sustentamos o ponto de vista de que tal resultado coloca o presidente Lula entre os atores políticos vencedores da disputa eleitoral deste ano, à medida que as perspectivas de sua reeleição em 2026 foram fortalecidas com o avanço das forças de centro-direita.

Esse nosso ponto de vista é baseado no entendimento de que o Governo Lula-3 é um governo de centro, posicionamento este estabelecido por meio de táticas e estratégias acomodatícias e centristas, deliberadamente adotadas (e continuamente reiteradas), tanto na esfera econômica quanto no âmbito político. O centrismo do Governo Lula-3 deriva do diagnóstico de que, diante do avanço espetacular de poderosas forças reacionárias e ultraliberais, o campo progressista não teria condições atuais para enfrentar sozinho esse bloco de poder dominante, nem muito menos para tentar reverter os retrocessos em curso, sobretudo a partir do Golpe-2016.

A partir desse diagnóstico, o Governo Lula-3 definiu o seu caráter como o de um governo de frente ampla e de transição, cuja tarefa histórica seria a da “reconstrução nacional”, de modo a permitir, em um momento no futuro, o restabelecimento do padrão democrático-liberal das disputas políticas, nas quais não haveria espaço para as frações extremistas de natureza neofascista.

No campo econômico, as estratégias e táticas centristas do Governo Lula-3 se concretizam por meio de uma política econômica que busca ativar seletivamente e de forma restringida programas de assistência social e de indução e modernização do mercado nacional, mas sem criar atritos ou antagonismo com a institucionalidade ultraliberal montada no país a partir do Golpe-2016.

No campo político, as estratégias e as táticas centristas do Governo Lula-3 se concretizam por meio de ações, acordos e amplas concessões à direita, visando o fortalecimento do que tem sido denominado de “centro democrático”, cuja finalidade é isolar a extrema-direita, a fim de esvaziar o seu protagonismo político e a sua capacidade de incidência social.

Evidente que essas estratégias e táticas centristas têm múltiplos problemas. No campo político, que é o que nos interessa nesta análise preliminar dos resultados da eleição, a maior dificuldade reside em definir com precisão o “centro democrático”. Isso porque, como é sobejamente reconhecido, na tradição política brasileira, o “centro democrático” tem limites muito fluídos e variantes, movendo-se conforme os interesses de momento. Nesse sentido, o Governo Lula-3 (e o campo majoritário do PT, notadamente) tem conceituado o “centro democrático” muito mais pelo que ele não é do que pelo que ele é.

Sob tal critério, o “centro democrático” atualmente no Brasil seria composto por todos os atores políticos não vinculados formal e diretamente ao bolsonarismo. Tal definição é muito problemática e incerta. Na eleição municipal de Belo Horizonte, por exemplo, lideranças do PT e da esquerda chegaram a incluir o deputado estadual Mauro Tramonte (Republicanos) neste denominado “centro democrático”, a despeito de Tramonte ter sido candidato do governador bolsonarista de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Assim, o conceito de “centro democrático” tornou-se extremamente elástico, passando a incorporar, inclusive, os prefeitos reeleitos de São Paulo, Ricardo Nunes, e de Porto Alegre, Sebastião Melo, ambos da direita do MDB, fração político-partidária que o governo Lula-3 busca atrair para a sua base de apoio.

Como foi justamente esse elástico “centro democrático” que saiu vitorioso da eleição municipal deste ano, ampliando a sua incidência política sobre uma fração ainda maior do eleitorado, é possível considerar que a estratégia centrista do Governo Lula-3 foi bem-sucedida, fazendo do presidente Lula um dos vencedores do pleito deste ano, cujo resultado, aparentemente, favorece o projeto de reeleição em 2026. Contudo, é necessário observar que essa estratégia centrista adotada pelo Governo Lula-3 consiste em uma versão piorada e “radicalizada” da mesma estratégia de acomodação e de conciliação de interesses antagônicos implementada nos três experimentos de governos liderados pelo PT entre 2003 e 2014 e que se mostrou incapaz de impedir o catastrófico desfecho desse ciclo político democrático, interrompido pelo Golpe-2016.