Perda de dinamismo da economia de Belo Horizonte

Vista aérea da Região Central de Belo Horizonte

Belo Horizonte vivencia um quadro persistente de crise, que se expressa em múltiplas dimensões, sendo a mais evidente a do crescimento econômico. Tendo como base o deflator implícito do PIB nacional, é possível examinar, de forma aproximada, a trajetória da economia da capital mineira no período recente. Os dados disponíveis mais atualizados, que abrangem os anos entre 2002 a 2021, mostram que tal trajetória econômica foi claudicante. A desaceleração do crescimento desde 2007 foi sucedida pela eclosão de um ciclo recessivo em 2014, que prosseguiu até 2021, ano no qual o PIB de Belo Horizonte alcançou o mesmo patamar de 2006, conformando, assim, um decênio e meio de estagnação. As informações indicam também que, entre 2002 e 2021, a taxa média de crescimento da economia municipal foi de 0,5% ao ano. Esse desempenho medíocre da economia local é um indício razoável que reforça a suposição de que Belo Horizonte experimenta, de fato, uma crise estrutural e prolongada de perda de dinamismo.

Vale notar que outras economias metropolitanas experimentam percalços semelhantes como os observados na capital mineira. Considerando apenas os 15 municípios com população igual a um milhão ou mais de habitantes, que respondem, juntas, por cerca de 20% da população do país e por 26% do PIB brasileiro, verifica-se, de modo geral, uma mesma dinâmica débil de crescimento econômico contido. Entre 2002 e 2021, o PIB combinado dessas grandes metrópoles cresceu a uma taxa média de 0,6% ao ano. Houve, evidentemente, trajetórias diferenciadas neste grupo, cuja taxa média de crescimento anual variou entre um máximo de 2,3% e um mínimo de -0,3%.

Um aspecto importante a considerar é que, nesse conjunto de metrópoles, Belo Horizonte faz parte do subgrupo de menor dinamismo, no qual se encontram, entre outras, aquelas economias urbanas mais desenvolvidas e maduras ou as que experimentam um processo histórico de estagnação secular. Pode-se dizer, portanto, que Belo Horizonte, por não ser uma economia metropolitana plenamente desenvolvida, vivencia uma crise que, além de estrutural e persistente, é também uma crise precoce de perda de dinamismo.

Diversos fatores incidem e estão na origem dessa crise estrutural, persistente e precoce de perda de dinamismo, sendo que grande parte deles é de escala supralocal. Ou seja, são fatores de cunho regional, nacional e global – o que complexifica a crise e torna o seu equacionamento muito mais difícil, pois seus principais determinantes extrapolam e não estão integralmente sob a influência das capacidades governativas, econômicas, políticas e institucionais locais. Não se quer dizer com isso que a sociedade de Belo Horizonte e os responsáveis pelas políticas públicas municipais não tenham papel a desempenhar na busca da superação da crise. Ao contrário, diversos instrumentos estão disponíveis localmente e devem ser acionados para atenuar e contrabalançar os seus efeitos, bem como para contribuir para a sua solução. As compras governamentais são um desses instrumentos a serem mobilizados com a finalidade de induzir a economia local, impulsionando o investimento e a geração de trabalho e renda no município, de modo a criar ou revigorar as bases endógenas do crescimento – o que estabelecerá condições mais promissoras para interromper e reverter a perda estrutural e precoce de dinamismo da economia de Belo Horizonte.

Os gastos públicos consistem em um dos principais componentes da demanda efetiva, mantendo uma correlação positiva com o nível do produto e do emprego. Dentre os diferentes tipos de gastos públicos, as compras governamentais são um dos mais importantes instrumentos de política econômica, podendo ser utilizadas para a consecução de variados objetivos de curto, médio e longo prazo. As compras governamentais tem sido empregadas, por exemplo, para induzir a modernização produtiva de diversas economias em todo mundo, mediante encomendas direcionadas pelo setor público para o desenvolvimento de determinados produtos, que exigem complexos, custosos e arriscados processos de inovação tecnológica. Nos recorrentes momentos de crise, as compras governamentais são também usadas de forma discricionária com a finalidade de sustentar os investimentos privados, a produção e os postos de trabalho, operando, assim, como uma força contrária às pressões depressivas advindas da reversão do ciclo macroeconômico.

As compras governamentais consistem nos gastos efetuados em custeio (recursos aplicados na compra de variados tipos de produtos consumidos pela administração pública nas suas atividades rotineiras de prestação de serviços à sociedade) e em investimentos (que implicam igualmente na aquisição de um conjunto muito amplo de bens e serviços utilizados para a criação de novos equipamentos coletivos, como postos de saúde, escolas, restaurantes populares, dentre outros). As compras governamentais tem sua expressão contábil, portanto, nas denominadas Outras Despesas de Custeio e de Capital (OCC).

Em Belo Horizonte, em razão do mencionado quadro de crise do município, as compras governamentais tiveram redução significativa no último decênio, baixando de R$ 2,5 bilhões para pouco mais de R$ 2 bilhões entre 2013 e 2022, o que significou queda real de mais de 20%.  Chama a atenção o comportamento distinto que as compras governamentais tiveram nas demais capitais durante o mesmo período. Diferentemente do que ocorreu em Belo Horizonte, o valor combinado das compras governamentais nas demais capitais acumularam aumento real de 4,0% entre 2013 e 2022. Assim, a participação de Belo Horizonte no total dos gastos efetuados pelas prefeituras de capitais com a compra de bens e serviços caiu de 6,8% para 5,3%, perfazendo retração de 22% nos anos em referência.

Para tornar a análise mais precisa, vale a pena verificar a trajetória do valor das compras governamentais efetuadas pela Prefeitura de Belo Horizonte em proporção ao PIB municipal. Constata-se, inicialmente, que o peso econômico das compras governamentais na economia local teve forte diminuição, caindo de 1,82% para 1,33% do PIB, o que significou retração de 27% entre 2013 e 2022. Houve um esforço de recuperação das compras governamentais a partir de 2017, mas que foi insuficiente para restabelecer o nível verificado em 2013. Na verdade, o valor das compras governamentais ficou praticamente estagnado em proporção ao PIB nos últimos três anos do período em análise (2020 a 2022). Entre 2013 e 2022, o valor médio anual das compras governamentais ficou em 1,2% do PIB municipal.

Mas além do valor das compras governamentais, é de suma importância verificar o Coeficiente de Correlação entre esses gastos públicos e o PIB do município. O Coeficiente de Correlação mostra o grau de influência mútua entre essas duas variáveis (as compras governamentais e o PIB de Belo Horizonte), podendo indicar em que medida os gastos públicos realizados com a aquisição de bens e serviços tem contribuído para impulsionar a economia local. Levando em consideração os dispêndios realizados anualmente em compras pela administração municipal, estimou-se o Coeficiente de Correlação em 0,65. Como esperado, trata-se de uma correlação positiva entre as compras governamentais e o PIB. Contudo, o Coeficiente de Correlação alcançou um valor moderado, sugerindo que existem importantes “vazamentos” nas aquisições de bens e serviços da Prefeitura, de modo que parte relativamente considerável do impacto positivo de tais gastos públicos não está sendo retida localmente e vem sendo capturada pela economia de outras cidades.

Os dados expostos acima indicam que as compras governamentais não estão sendo utilizadas pela Prefeitura de Belo Horizonte em toda a sua potencialidade. Para que essas compras governamentais passem a operar como instrumento efetivo de uma política de desenvolvimento local robusta e sistêmica, contribuindo para atenuar e contra-arrestar a crise estrutural e precoce de baixo dinamismo vivenciada atualmente pela capital mineira, são necessárias pelo menos duas medidas principais:

  1. Recuperar de forma mais rápida possível o valor das compras governamentais, buscando, como referência inicial, restabelecer o nível de 1,8% do PIB observado em 2013. Caso esse patamar fosse o praticado em 2022, as compras governamentais da PBH teriam sido da ordem de R$ 2,7 bilhões, o que significaria 35% acima do efetivamente realizado naquele exercício, o que permitiria, ademais, superar o valor do dispêndio efetuado em 2013 em cerca 9% em termos reais, revertendo, assim, as perdas históricas registradas.
  2. Adotar uma estratégia governamental coerentemente estruturada com a finalidade de reduzir os “vazamentos” dos gastos realizados em aquisições de bens e serviços, de modo a reter o máximo possível do poder de compra da PBH na economia de Belo Horizonte e, assim, ampliar o efeito multiplicador desses dispêndios sobre a renda, os investimentos, o produto e o emprego na capital mineira.