Entrevista: Desafios para o Desenvolvimento no Próximo Governo

O economista Mauricio Borges Lemos, diretor do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social nos Governos Lula e Dilma, analisa os desafios para o desenvolvimento econômico a partir dos avanços e limites daquele período. Maurício é autor de Um Novo Projeto para o Brasil: as reformas políticas, econômicas e sociais de que o país precisa, sua mais recente publicação. Na entrevista concedida ao Estado das Coisas, ele aborda temas como as Reformas Tributária e Politica de que o país precisa, destacando a necessidade de um programa imediato para enfrentamento do desemprego, assim como a instalação de uma Constituinte.

  • Após cerca de 13 anos de Governos de Lula e Dilma, certamente, há um legado importante a considerar. Normalmente, é destacado o legado social com inúmeros programas nas áreas de educação saúde, proteção social. Do ponto de vista econômico, quais pontos podem ser destacados? É possível falarmos em um projeto de desenvolvimento? Quais caraterísticas ele teria?
  • No período que levou ao impeachment da Presidente Dilma, o país viveu uma crise econômica, que, de certo modo, pelo cenário político prossegue até os dias de hoje. O Governo Dilma implementou diversas medidas de apoio à indústria nacional, atuou na gestão monetária reduzindo a SELIC, atuou para reduzir a inflação buscando interferir na política de preços administrados, mas essas iniciativas foram e continua muito criticadas. Os pontos negativos dos governos petistas seriam apenas esses? Em seu livro, Maurício atribui a essa conjuntura responsabilidade à Reforma Tributária de 2003 patrocinada pelo Governo Lula por grande parte das dificuldades econômicas que foram se descortinando.
  • Confirmando-se nas eleições de outubro, o próximo Governo Lula terá uma maior composição com setores no espectro político da direita, o que nos leva a supor maiores dificuldades para avançarmos no Estado Social Desenvolvimentista que queremos. Como temos acompanhado no país desde o Governo Collor, o problema central da estabilidade política é a dinâmica do Congresso. O presidencialismo de coalizão está alicerçado em uma representação política fortemente marcada pelos valores do paroquialismo, do populismo, apoiada exclusivamente na lógica do benefício parlamentar individual. Duas questões surgem deste diagnóstico: a primeira é como enfrentar essa contingência no próximo período sem sucumbir a seus encantos? E a segunda refere-se a que reformas políticas precisamos implementar para superarmos esse estado de coisas?
  • Uma das questões econômicas relevantes para o próximo período, que envolve justiça social, diz respeito ao sistema tributário que o país tem. São muitos os problemas, mas a questão da regressividade da estrutura tributária que atinge diretamente a população de baixa renda, a própria dinâmica de rentabilidade predatória do capital, assim como a necessidade de incremento da arrecadação para financiamento dos projetos sociais e de infraestrutura que o país precisa demandam mudanças profundas e, sobretudo, imediatas da tributação. O que o próximo governo pode fazer neste sentido?
  • Outro ponto estrutural da economia do país é a simbiose entre o capital financeiro e a dívida pública no país. Segundo Maurício Borges, esta tem sido uma contingência que não foi enfrentada de forma sistemática por todos os governos desde a redemocratização. Aliás, o setor financeiro cresceu no período a taxas anuais entre 20 e 40%, muitissimamente acima do crescimento do PIB nacional. O que é preciso fazer em termos regulatórios para direcionar o setor financeiro?
  • O Brasil não conseguiu resolver o problema de financiamento da infraestrutura nos últimos anos. Como você ressalta no seu livro, “sem infraestrutura não é possível desenvolver nem mesmo prosaicas atividades básicas da agropecuária e/ou mineração. Quais avanços durante os governos petistas? Quais os desafios para o próximo governo?
  • “Com a eclosão da Lava Jato, a escassez relativa de crédito transformou-se em absoluta, jogando para o chão o nível de investimentos no Brasil”. Diante dessa realidade alimentada pelo empobrecimento/desemprego crescente no país mais a deterioração da esfera pública, endividamento crescente das famílias, redução do poder de compra do salário mínimo, quais iniciativas devem ser priorizadas em termos econômicos no próximo período.
  • Para os que participaram do campo da esquerda organizada durante os 70 e 80, há um desencanto com os desdobramentos políticos e econômicos após anos de reformas. No ideário dessa geração, sempre transitou o debate sob a polaridade ‘revolução socialista ou revolução democrática‘. O que dizer para essa geração sobre os desafios de reformas profundas que todos perseguimos? Qual o papel atribuir ao Estado neste processo?