Paradoxo da Intolerância

Tolerar é aceitar a diferença. Mas até onde devemos aceitar a diferença, a opinião contrária, a conduta com a qual não concordamos, são as reflexões racionais que nos enredam. O que delimita o intolerável? Aceitar a agressão? Deixar que propaguem contra o outro se não me atingir? São muitas as situações especuláveis…

Tolerar, na verdade, carrega em si o significado de ‘limite’: suportar até certo ponto, até onde for possível. Os limites do quanto e até quando suportar não se definem a priori. Os limites desse ‘possível’ são construídos ao longo do processo entendimento, quando se manifesta a possibilidade do bloqueio na comunicação e a geração do dissenso, produzindo-se o dilema da tolerância. Ainda que haja valores e princípios que pré-existam à interação, em última instância, o princípio que deveria ser”pétreo” – de se respeitar a vida daquele que impõe a diferença sob qualquer perspectiva- encontra-se potencialmente esvaziado perante a possibilidade de se justificar e ser, socialmente, aceita a conduta de aniquilação do interlocutor.

O significado da tolerância se define, então, em situações-de-fala nas quais os acontecimentos vão suscitar entre os interlocutores a apresentação de argumentos para a compreensão comum da realidade diante das circunstâncias compartilhadas, ou se quiser, vão promover a delimitação de resultados toleráveis de interpretação da realidade que justifique para as partes envolvidas abrirem mão da mútua imposição dos detalhes de suas convicções sobre o mundo da vida, o mundo objetivo e o mundo social. 

O filósofo austríaco liberal Karl Popper, em seu livro A Sociedade Aberta e seus Inimigos, descreveu os limites para o desenlace dessas situações-de-fala. A tolerância é limitada, na prática, pelo direito do indivíduo de reivindicar, a partir de argumentos racionais, que ‘significados’ que não se pautem pela racionalidade e que pretendam ser impostos por seus portadores a qualquer custo sejam proibidos de circular. Ele denominou essa possibilidade de convivência de ‘paradoxo da tolerância, porque, em nome da tolerância ou para se anular a intolerância, o princípio da tolerância precisa acabar com a própria tolerância.

O Paradoxo da Tolerância

“A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles. Nessa formulação, não insinuo, por exemplo, que devamos sempre suprimir a expressão de filosofias intolerantes. Desde que possamos combatê-las com argumentos racionais e mantê-las em xeque frente à opinião pública, suprimi-las seria, certamente, imprudente.
Mas devemos-nos reservar o direito de suprimi-las, se necessário, mesmo que pela força. Pode ser que eles não estejam preparados para nos encontrar nos níveis dos argumentos racionais, ao começar por criticar todos os argumentos e proibindo seus seguidores de ouvir argumentos racionais, porque são enganadores, e ensiná-los a responder aos argumentos com punhos ou pistolas.
Devemos-nos, então, reservar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar o intolerante. Devemos exigir que qualquer movimento que pregue a intolerância fique à margem da lei e que qualquer incitação à intolerância e perseguição seja considerada criminosa, da mesma forma que no caso de incitação ao homicídio, sequestro de crianças ou revivescência do tráfico de escravos.