Ferida na perna do Picapau

Sempre fui um curioso observador da medicina e militante da hipocondria. Firmei fama de bom curandeiro, aproveitando as oportunidades muitas que apareceram. Mas acabei mesmo foi tocando a vida profissional entre os espaços da burocracia, da contabilidade, da administração e da gestão pública. Mas, “Porém! Ai porém!… Há um (sempre) caso diferente que marcou um breve tempo…”, como canta o Paulinho da Viola.

Ocorre que, nos tempos em que fui diretor da Santa Casa BH, fazendo parte de uma composição política arquitetada com maestria em 2003 pelo então prefeito Fernando Pimentel e seus secretários Helvécio Magalhães e Jorge Nahas, tive a oportunidade de estudar, aprender e, porque não dizer, “exercer”, com certo zelo e sucesso, meus adiados pendores médicos.

Em particular, me orgulho muito de ter ajudado a “curar” a ferida da perna do Geraldo Elísio, o Picapau, histórico e combativo jornalista, pessoa do bem, escritor, um completo multimídia à moda antiga e que foi trabalhar na Santa Casa como assessor de imprensa do provedor Saulo Coelho.

Certa manhã, estávamos eu e o Dr. Paulo Tarcísio Pinheiro, médico de raro refinamento ético e profissional, diretor técnico da Casa, prosando no habitual cafezinho de início de expediente, quando o Geraldo Elísio adentrou apressado o espaço da diretoria, dirigindo-se à minha sala e sinalizando uma conversa reservada. Fui de imediato, pois bom jornalista sempre tem espantos matutinos e não costuma retumbar conversa antes de um “pé de ouvido”. Mas a conversa que ele queria comigo enveredou para um rumo que me atraiu bem mais que discutir a crise financeira da “santinha”, como carinhosamente chamávamos a Santa Casa. Ele foi direto ao assunto, linear, claro, convicto:

Dr. César, essa Santa Casa aqui, esses médicos... tudo conversa fiada. Me falaram aí pelos corredores que o único médico prático e que não enrola por aqui é você! Eu tô com esta ferida na perna e não dá mais. Já tem meses que esses médicos olham, trocam curativo, passam pomadinha e nada de melhorar!

Para um assessor de imprensa da Santa Casa, que circula diariamente entre centenas de médicos, certamente andar por aí com uma ferida na canela e que nunca cicatriza é uma quase tragédia, um desmerecimento à instituição e seus profissionais.

Bem, o ímpeto de olhar a ferida e começar a fazer a anamnese no meu (já quase) paciente foi mais forte e antecedeu a conversa seguinte. Dei uma olhada! Claro, eticamente não deveria ter olhado… Vi que era um negócio mais complicado e falei pra ele:

Ô Picapau! Deixa eu te dizer: posso até dar uma olhada com mais atenção, te passar uns remedinhos mais do meu conhecimento e acompanhar o caso. Mas... eu não sou médico!

Claro! O prezado Geraldo Elísio não morreu de susto, porque ninguém morre de véspera. Mas também não morreu da ferida… e nem passou recibo pelo engano. Suspendeu a perna da calça que estava suspensa deixando a ferida à mostra e… como bons mineiros, mudamos de assunto. O que sei é que ele nunca mais falou sobre a ferida… e se curou. Provavelmente efeito do susto, que nem sempre é ruim e costuma vascularizar a vida.