Paridade Internacional dos Preços de Combustíveis: alternativas para não empobrecer o Brasil

O Governo Federal reagiu ao mega-aumento de preços dos combustíveis anunciados pela Petrobras no último dia 10 de março reduzindo impostos e aumentando transferência de renda para os mais pobres. Segundo estimativas do Ministério da Economia, a redução de R$ 0,60 no litro de diesel vai custar entre R$ 15 a 16 bilhões aos estados e de R$ 18 a 19 bi a União, um total variando, portanto, entre US$ 6 e 7 bilhões. O aumento da transferência de renda vai comprometer outros R$ 3 bilhões.

De acordo com o Plano Estratégico 2022- 2026, a Petrobras previa para esse ano uma produção de 986 milhões de barris de óleo equivalente (BOE) comercializados ao preço médio de 72 US$/BOE. Isso deveria gerar um lucro tal que a União, detentora de 37% do capital da companhia, receberia US$ 4,5 bilhões de dividendos e os acionistas privados outros US$ 7,7 bilhões. Obviamente, a Guerra na Ucrânia muda totalmente o cenário de preços e o barril de petróleo pode ficar ao redor de 100 US$ na média deste ano. Isso implica num aumento de 39% da previsão de lucro e consequentemente dos dividendos.

Ou seja, a União poderá acabar recebendo US$ 6,3 bilhões, suficientes para custear a sua parcela na redução de impostos sobre o diesel e parte da “bolsa combustível”. Os acionistas privados ficarão “protegidos” e podem embolsar US$ 10,7 bilhões.

A pergunta que permanece sem resposta nas discussões da mídia é como fazer valer os interesses do povo brasileiro na política de preços da Petrobras, uma empresa estatal na qual a União tem a maioria das ações com direito a voto, mas a maior parte do capital é detido por acionistas privados, 72% deles estrangeiros.

Dois aspectos precisam ser considerados. O primeiro é que a União pode controlar e definir as regras dos preços de combustíveis sem necessariamente precisar intervir na política de preços da Petrobras. Basta querer e saber usar o poder que ela tem de ser dona de todos os recursos minerais do país. O regime de partilha da produção de petróleo criado com a descoberta do pré-sal foi um primeiro passo nessa direção.

O volume de petróleo recuperável do pré-sal está atualmente estimado em 44 bilhões de BOE, dos quais 8,2 bilhões serão produzidos ao longo dos próximos 10 anos repassando para a União 1,6 bilhão de BOE de acordo com os contratos de partilha já firmados. A Pré-Sal Petróleo S. A. – PPSA estatal que representa a União nos consórcios de partilha e comercializa sua parcela de petróleo poderia usar a renda dele obtida para comprar óleo bruto e deriva- dos e repassá-los às refinarias privadas e às distribuidoras de combustíveis ao preço que bem entender, inclusive de graça. Em 2022, a União receberá 9,5 milhões de BOE e em 2031 esse número subirá para 411 milhões. Isso quer dizer que a participação do óleo da União na demanda de derivados do Brasil será equivalente a 1,3% em 2022, aumentando para 48% nos próximos dez anos, conforme previsão do Plano Decenal de Energia disponibilizado pela Empresa de Planejamento Energético – EPE.

Em resumo, o regime de partilha do pré-sal confere a União o poder de usar seu petróleo para balizar o preço interno dos derivados, mesmo que a Petrobras continue a aplicar o sistema de paridade de preços.

Mas além de comercializar o óleo da União, a PPSA poderia também atuar como importadora de derivados usando seu poder de compra para obter melhores condições do que aquelas alcançadas pelos inúmeros importadores autorizados pela Agência Nacional de Petróleo – ANP. Não há razão que justifique o Governo Federal renunciar à PPSA como instrumento disciplinador na importação de óleo bruto e de derivados de petróleo, mesmo que seja para operar com margem negativa. Isso poderia ser mais efetivo do que criar um emaranhado de instrumentos tributários para controlar os preços de venda das refinarias privadas e na rede de distribuição de combustíveis. No mínimo, a Petrobras estaria confrontada a um balizador de preços totalmente controlado pela União.

O segundo aspecto a se considerar é a manutenção da Petrobras como sociedade de economia mista, num ambiente onde o mercado exige que a companhia atue exclusivamente como empresa privada, mas preservando todos os privilégios de ser controlada pela União. E não são poucos esses privilégios. Por exemplo, no pré-sal, a Petrobras é a única empresa que pode firmar contrato direto com a União, como no regime de cessão onerosa, onde a Petrobras obtém seus maiores lucros, além de ter o direito de preferência de ser operadora nos consórcios de partilha com uma participação mínima de 30%. Quanto vale esse privilégio numa reserva que tem 44 bilhões de barris de óleo recuperável? E quanto a Petrobras pagou por ele? Absolutamente nada!

Chega, portanto, a ser vergonhoso e um verdadeiro acinte diante da população brasileira a proposta de alteração do estatuto da Petrobras para incluir a previsão de “ressarcimento pelo Tesouro nos casos em que a União oriente a companhia a assumir eventuais projetos e preços em condições diversas de qualquer outra sociedade do setor privado”.

Nessas condições não se justifica manter a Petrobras com ações listadas em bolsa, engordando o bolso de hipócritas que se colocam como vítimas do controle estatal. A Petrobras vale hoje na bolsa US$ 87 bilhões, dos quais US$ 55 bilhões se referem a ações em poder de investidores privados. Se fechar o capital da companhia comprando essas ações, a União pode recuperar o valor investido em cerca de cinco anos, usando apenas os dividendos hoje pagos aos acionistas privados. Além disso, ela ficaria desimpedida para estabelecer uma política de preços de combustíveis que atendesse os interesses do Brasil como um todo, e não apenas aqueles da Petrobras. Fechar o capital não implica abrir mão de boas práticas de governança, principalmente quando se trata de defender os interesses da população diante daqueles da própria corporação.