CPI da Cemig aponta irregularidades na Gestão Zema

A Assembleia Legislativa de Minas Gerais instalou em 2021 Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI para apurar ilegalidades na gestão da Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG desde 2019. A CPI foi integrada pelo Deputado Cássio Soares/PSD, designado como Presidente da Comissão, Deputado Professor Cleiton/PSB, que atuou como Vice-presidente, e o Deputado Sávio Souza Cruz/MDB, como Relator da Comissão. Participaram como membros efeitos a Deputada Beatriz Cerqueira/PT, Deputado Hely Tarqüínio/PV, Deputado Zé Guilherme/PP e Deputado Zé Reis/PODE.

Ao longo de 3 (três) meses, entre de 29/06/2021 e 21/02/2022, a CPI da CEMIG realizou diversas oitivas de testemunhas, tomou depoimentos de investigados e produziu vasta prova documental, e quebra de sigilo bancário e de dados telefônicos. Em razão da limitação do prazo de duração, as investigações focaram seus esforços nos temas mais sensíveis e evidentes envolvendo fatos determinados que ensejaram a instauração da Comissão, como esclarece o Relatório Final da CPI da CEMIG. Dentre eles, destacam-se os principais fatos listados abaixo, que envolvem uma série de irregularidades e ilegalidades, explicadas em entrevista pelo Dep. Prof. Cleiton, Vice-presidente da CPI. Assista a entrevista.

Principais Ilegalidades Identificadas pela CPI da CEMIG

  • Condução por dirigente do Partido NOVO, partido do Governador Romeu Zema, de processo de contratação sem licitação da empresa EXEC Recursos Humanos, para a seleção de nome para a presidência da CEMIG, que veio a resultar na escolha do Sr. Reynaldo Passanezzi, que foi submetido a entrevista com o Presidente Nacional do Partido NOVO, João Amoedo, além do Governador, como critério para sua escolha.
  • Rescisão do contrato em 2021 com a empresa Audac, vencedora de licitação de serviços de call center, após 1 (um) mês da assinatura, e contratação por meio de contrato da IBM– que assumiu irregular e ilegalmente serviços de atendimento ao cliente pela figura de ‘oportunidade de negócio’, da empresa derrotada no processo licitatório denominada A&C de propriedade do então Secretário de Desenvolvimento do Governo Zema, Cássio Rocha Azevedo.
  • Contratação da empresa Wework para locação de escritório em São Paulo para constituir ‘domicílio fiscal’ e deixar de recolher por mês de R$ 2,7 milhões de ICMS em Minas Gerais, configurando prática ilegal e antieconômica com prejuízos para o interesse público do Governo do Estado de Minas Gerais
  • Venda da Renova, empresa do grupo CEMIG/Light, por R$ 1,00, desconsiderando proposta de R$ 480 milhões de grupo estrangeiro, além de venda de ações restantes da Light em período de baixa econômica.

Cada um desses fatos envolveu uma complexa rede de atores e decisões ilegais e irregulares, que são sintetizados na sequência.

Convalidação da EXEC Consultoria de Recursos Humanos Ltda por supostos serviços prestados

A EXEC Consultoria de Recursos Humanos Ltda, empresa de consultoria de recursos humanos, realizou o processo de seleção do novo presidente da empresa. O processo não foi precedido de prévia licitação nem de qualquer encaminhamento interno na empresa antes de sua realização. Em determinado momento, o processo foi encaminhado pelo Presidente Clodovino Belini, que veio a ser substituído, para ser pago por convalidação por inexigibilidade de licitação, ou seja, após os serviços terem sido prestados. Ocorre que todas tratativas e documentos que circularam na CEMIG e junto à EXEC referentes ao que se apresentou como seleção de candidato para ocupar a presidência da empresa foram conduzidos e direcionados pelo Sr. Evandro Veiga Negrão Lima Júnior, que nunca foi, empregado, gerente ou diretor da CEMIG ou do Estado de Minas Gerais. Na verdade, ele desempenhava à época a função de Secretário-geral do Partido NOVO, cargo diretamente subordinado à presidência do Partido. Ele mesmo confirmou à CPI o desempenho desse papel, justificando como regular prática comum na iniciativa privada, que é expressamente ilegal no setor público. Confirmou também que o Governo Zema estava a par, por meio do Secretário de Desenvolvimento, Cássio Rocha de Azevedo, já falecido, que acompanhava as tratativas por ele conduzidas.

A empresa EXEC foi a responsável pela seleção de candidatos para diversos cargos desde o início do Governo Zema e não apenas na CEMIG. A CPI apurou que a empresa possui mais de um sócio filiado ao Partido NOVO. Conforme registra a CPI, os envolvidos reconheceram essas ligações. Particularmente, a CPI verificou que o Sr. Evandro, além de dirigente do partido exercendo irregularmente transações no âmbito da burocracia da CEMIG, era, à época dos acontecimentos, sócio do esposo da gerente de CEMIG, Ivna de Sá Machado de Araújo, que participou internamente do processo de convalidação da EXEC.

Apesar da densa estrutura de compliance da CEMIG, com instâncias Conselho e Comitê de Auditoria, Auditoria independente, e o próprio Conselho de Administração, a investigação promovida pela CPI não conseguiu identificar nominalmente dentro da empresa quem solicitou os serviços ou mesmo confirmar se o serviço encaminhado com as tratativas do Sr. Evandro foi realmente realizado, embora tenha sido convalidado e pago.

O processo da dita prestação de serviços pela EXEC para a seleção do futuro presidente da CEMIG envolve dois absurdos legais, além do processo ter sido conduzido diretamente, do início ao fim, por um dirigente do Partido NOVO, o Sr. Evandro Negrão.

O primeiro absurdo no processo com a empresa EXEC refere-se ao fato de que o candidato foi submetido a uma entrevista com o Sr. João Amoêdo, Presidente do Novo, conforme ele próprio, Reynaldo Passanezi Filho, presidente da CEMIG, declarou à CPI, escolhido que foi no processo de seleção. Imaginem o que teria acontecido se o Governo fosse do Partido dos Trabalhadores – PT e os candidatos para presidência da CEMIG tivessem de ser entrevistados por Gleisi Hoffmann, presidente do Partido!

O segundo absurdo diz respeito ao fato de que o próprio escolhido no processo e já então presidente da CEMIG, Reynaldo Passanezi, tal como ele próprio declarou à CPI, foi o responsável por dar encaminhamento interno ao pagamento dos serviços não comprovados da EXEC, que o selecionaram, segundo a CPI: primeiro R$ 170.000, depois mais R$ 120 mil pela seleção de novos diretores.

Contratação direta da multinacional IBM e a subcontratação da A&C em detrimento da vencedora do pregão para prestação de serviços de call center

O segundo caso investigado refere-se à contratação direta da multinacional IBM e à subcontratação da A&C – Centro de Contas S.A em detrimento da vencedora do pregão para prestação de serviços de call center, a Audac -Serviços Especializados de Cobrança e Atendimento S.A. Como mostra a CPI, a A&C foi fundada por Cássio Rocha de Azevedo, Secretário de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais entre outubro de 2019 e abril de 2021, falecido em junho de 2021. O Governador Romeu Zema anunciou Cássio Azevedo como secretário em outubro de 2019. Azevedo deixou o cargo de CEO da A&C e o Conselho de Administração da empresa em dezembro de 2019, segundo dados da CPI. Ele só foi nomeado oficialmente como secretário no final de março de 2020, quase cinco meses depois do anúncio do Governador e depois de a A&C perder a licitação para a Audac, e antes da sua subcontratação pela IBM.

A A&C, empresa do Secretário Desenvolvimento Econômico, era a prestadora de serviços de call center na CEMIG há 5 anos, tendo seu direito à prorrogação de contrato legalmente extinto. Ela participou da nova licitação realizada para operação dos serviços e perdeu, em razão do preço total proposto para os serviços serem R$ 500,00 (quinhentos reais) maior do que a proposta mais vantajosa. A empresa Audac sagrou-se vencedora, com preços oferecidos no valor de R$ 88.487.000,00 (oitenta e oito milhões e quatrocentos e oitenta sete mil reais), abaixo do valor ofertado pela A&C, de R$ 88.487.500,00 (oitenta e oito milhões, quatrocentos e oitenta sete mil e quinhentos reais).

Em fevereiro de 2021, para surpresa da Audac, já contratada, a CEMIG a comunicou a intenção de rescindir o contrato, alegando impactos da então recente pandemia de COVID-19. Hoje, a empresa cobra indenização de R$ 13,5 milhões pelos danos causados por esta recisão com motivação duvidosa.

Paralelamente, a CEMIG havia realizado a contratação direta da IBM, sem licitação, por R$1,1 bilhão, e por um prazo de 10 anos, para implantar o atendimento integrado (omnichannel). Na sequência, a IBM, subcontratou a A&C, que perdeu a licitação, para prestar o serviço de call center, serviço que nunca fez parte do porfolio da multinacional, segundo a CPI. O ajuste entre a IBM e a CEMIG garantiu a permanência da perdedora da licitação, a A&C, empresa de propriedade do ex-secretário de Estado, Cássio Soares, que chegou a solicitar uma sala privativa no prédio da CEMIG, ao mesmo tempo em que expôs a incoerência do modo de sua contratação ao promover a ‘quarteirização’ indevida de serviços.

Além disso, a empresa assumiu um longo e robusto contrato que, de acordo com as investigações da CPI, não atende aos quesitos básicos de concorrência previstos na legislação. O contrato da IBM foi realizado sob o instituto legal da ‘oportunidade de negócio’, regulado pelo art. 28, § 3º, II, da Lei Federal nº 13.303, de 2016. Em Nota Técnica da empresa (RC-0002/2020, de 1º/12/2020) para “justificativa para contratação de empresa para a formação de parceria de negócio para execução de serviços técnicos especializados de diagnóstico, reestruturação e operação integrada do atendimento aos clientes da CEMIG”, a CPI identificou “abuso de conceitos indeterminados, abstratos e vagos para justificar o mencionado modelo de negócios”.

A CPI da CEMIG concluiu que o Acordo de Parceria entre CEMIG e IBM “não passou de um ilegal agrupamento de objetos contratuais licitáveis relacionados aos serviços de atendimento aos clientes da companhia pelos diversos canais já existentes”.

Contratação da Wework para locação de espaço de trabalho de coworking em São Paulo

O outro episódio investigado envolveu a contratação da Wework Serviços de Escritório Ltda para serviço de locação de espaço de trabalho de coworking na cidade de São Paulo em regime de urgência, com inexigibilidade licitação. Conforme aponta o Relatório da CPI, foi dada preferência para localização no Edifício JK, Shopping Iguatemi – São Paulo (SP), sem justificativa por parte do corpo técnico da CEMIG para tanto, e igualmente não houve justificativa para não se realizar processo normal de contratação incluindo outras localidades, além do preço registrado pela contratada ser visivelmente maior.

Entretanto, o mais relevante é a descoberta pela CPI da motivação da contratação. A contratação do escritório, na verdade, era para a CEMIG constituir novo ‘domicílio fiscal’. Conforme o Deputado Professor Cleiton destacou na CPI, “a estratégia da CEMIG era se livrar do recolhimento da diferença de ICMS para o Estado de Minas Gerais em suas operações de venda de energia, ou seja, vendendo a energia, a partir de uma filial de São Paulo para uma empresa em outro estado da federação, não haveria diferencial de alíquota do ICMS a ser recolhido para o Estado de Minas Gerais”. Isto encontra-se confirmado em parecer jurídico da própria empresa, que fala em ganho tributário para a CEMIG GT da ordem de R$ 2,73 milhões mensais.

A CPI da CEMIG considerou a conduta de transferir domicílio fiscal para São Paulo a fim de se pagar menos ICMS em Minas como planejamento tributário abusivo. De fato, a maioria dos membros do Conselho de Administração, que representam os interesses Estado de Minas Gerais, decidiu por esse procedimento com declarada perda de receita para o Tesouro Estadual, configurando prejuízo para os interesses do Estado.

Venda da participação da Light, da qual a CEMIG era a maior acionista, e da Renova Energia

Acontecimento relevante investigado pela CPI foi a venda da participação da Light, da qual a CEMIG era a maior acionista, na Renova Energia, por apenas R$1,00. A Renova Energia S.A. – Renova encontrava-se em situação da recuperação judicial. Conforme a CPI apurou, em reunião do Conselho de Administração, 8 (oito) propostas foram apresentadas para se desfazer do ativo, sendo uma delas a solução que foi dada. O então Presidente Bellini da CEMIG foi contrário à decisão tomada e pediu seu desligamento do Conselho da Light na época. Quatro meses antes da venda da Renova Energia, a CEMIG recebeu de grupo norte-americano oferta, por meio de membros do Executivo, de compra da empresa de energia renovável por cerca de R$ 480 milhões, tendo como parte do “pacote” a venda de ativos ligados à exploração de nióbio no Estado.

Além disso, as vendas das ações da Light ocorreram em momento de retração econômica, de pandemia, em que o mercado não aconselhava essa venda. No caso da Light, a parte da CEMIG na empresa fluminense foi negociada por cerca de R$ 20 por ação, a qual poucos meses antes estava cotada por aproximadamente R$ 24. A venda de toda a participação na Light se deu no auge da pandemia.