A Cruz de Malta nas Montanhas de Minas, novo livro de Jorge Nahas

Jorge Nahas, cidadão de Rio Acima e de Minas Gerais, político atuante, cirurgião médico, que já coordenou o Pronto Socorro de Belo Horizonte (Hospital João XXIII), além de ter presidido a Federação de Hospitais de Minas Gerais – FHEMIG e atuado como Secretário de Políticas Sociais da Prefeitura de Belo Horizonte, está lançando o livro A Cruz de Malta nas Montanhas de Minas: A Aventura Esquecida de Henrique Lage na Serra do Gandarela pela Editora Autografia.

Veja a seguir a entrevista de Jorge Nahas sobre a pesquisa que realizou e a sua importância para a história de Minas Gerais e da siderurgia no país.

Por que você decidiu escrever o livro?

Eu sou aqui de Rio Acima. Na minha infância, Rio Acima era uma cidade viva, produtiva. Tinha duas metalúrgicas, cerâmicas e uma dessas empresas era a Usina do Gandarela da qual eu tenho lembranças vívidas, mas desarticuladas. Mármore exportado pela ferrovia, a existência de uma pedra que queimava, pois seria de querosene, essas lendas da infância. Conheci também algumas pessoas que trabalharam na Usina do Gandarela. Depois, na minha vida adulta, uma Cruz de Malta que fica no alto das ruínas do Alto Forno do Gandarela sempre me intrigou. Percebi que toda essa essa aventura da usina estava perdida. É muito difícil achar vestígios da Usina do Gandarela na história da siderurgia mineira. Decidi, então, investigar, o que me levou a descobrir uma história muito interessante que achei que não podia perder.

Jorge ananás lança
Cruz de Malta no Alto do Forno das Ruínas da Usina Gandarela em Rio Acima-MG

Já no título você cita a Cruz de Malta, Serra do Gandarela e Henrique Lage. Quem foi Henrique Lage e o que uma coisa tem a ver com a outra?

 Além da Cruz de Malta em ferro fundido no alto da chaminé do alto-forno achei outras talhadas em alto relevo nas ruínas do que sobraram da Usina Gandarela. Estudando essa questão, soube que a Cruz de Malta era o símbolo, era a insígnia mestre das empresas de um grande industrial brasileiro chamado Henrique Lage. A Cruz de Malta estava no alto das chaminés dos navios da companhia de navegação costeira, os chamados ITA, que singraram por toda a Costa Brasileira. Era uma empresa poderosa. Além disso, ele era dono de minas de carvão em Santa Catarina, de estaleiros no Rio de Janeiro, de salineiras. Ele sonhou construir um império siderúrgico nos primórdios da República Velha, nos os primeiros anos do século 20. Foi o período inicial de formação da base industrial econômica brasileira e veio parar aqui em Rio Acima. Plantou a Cruz de Malta aqui nestas serras, nas montanhas da região. Por isso, resolvi colocar na capa do livro essas referências, chamando atenção para esse simbolismo da Cruz de Malta, da Serra do Gandarela e do Henrique Lage. Henrique Lage, aliás, diga-se de passagem, foi quem construiu o Parque Lage no Rio de Janeiro, uma das maravilhas da cidade do Rio de Janeiro.

Por que a Serra do Gandarela foi escolhida por Henrique Lage?

Essa é uma história realmente fascinante. A Serra do Gandarela foi percorrida em lombo de burro por Henrique Gorceix, fundador da Escola de Minas no final do século XIX. A Escola de Minas foi fundada em 1876. Há documentos, publicações de Gorceix e de seus alunos com estudos das riquezas da Serra do Gandarela. Na verdade, ele não a chamava de Serra Gandarela. Ele estudou a Bacia Sedimentar do Córrego Gandarela e as terras da antiga Fazenda do Gandarela, que foram muito bem descritas. Seus alunos seguiram seus passos e um desses estudos feito a mando da Companhia do Gandarela por Pandiá Calógeras, foi muito difundido no Rio de Janeiro, justo no período em que o Brasil estava iniciando a sua exploração de minério de ferro. Os alunos da Escola de Minas, por sua vez, todos foram proeminentes geólogos, pioneiros no estudo da geologia e das minas no Brasil e dirigentes das primeiras agências estatais. dentre eles o Gonzaga de Campos, Domingos Fleury da Rocha e o próprio Pandiá Calógeras. Todos eles conheciam muito bem a Serra do Gandarela. Além de ser já famosa naquele tempo pelos seus mármores, o chamado mármore Gandarela, era também tida como uma cornucópia, uma reserva fabulosa de minério de ferro.  E isso, certamente, atraiu a atenção de Henrique Lage, que comprou a antiga e primitiva companhia de mineração e siderurgia do Gandarela, levou imediatamente a sua sede para o Rio de Janeiro e começou a sua saga aqui nas Minas Gerais.

Qual o impacto desta empresa e da metalurgia em geral sobre a cidade de Rio Acima, localidade criada no ciclo do ouro?

A cidade de Rio Acima, na época, foi bastante impactada pela   indústria siderúrgica, tanto pela Usina do Gandarela quanto pela Metalúrgica Santo Antônio, de Américo Gianetti. Tivemos a estrada que ligou a Serra à ferrovia, a exploração intensiva do carvão vegetal, o aporte de um importante contingente de mão de obra especializada, que levou a uma combativa classe operária.  O movimento sindical aqui em Rio Acima foi forte. As greves na Usina do Gandarela deixaram uma marca funda nos arquivos do DOPS. Seu impacto na cidade foi tão marcante quanto à Samsa, que era a outra usina, dos Giannetti, mas deixou sua marca nas edificações, nas ruas e na própria Serra. Temos hoje, na cidade, uma escola municipal que se chama ‘Henrique Lage’, Rua Henrique Lage e meus conterrâneos não têm ideia exatamente de quem ele foi, nem da existência do belo mármore Gandarela, que orna belas edificações no Rio de Janeiro. Boa parte do meu trabalho é no restabelecer a memória da Usina na cidade.

Você acha que projetos como o de Henrique Lage poderiam ter dado outra face à metalurgia e ao capitalismo brasileiro? Que lições podemos extrair do desafio perseguido por Lage para o desenvolvimento da mineração e da região nos dias  atuais?

Olhando a trajetória de Henrique Lage e de seu sonho siderúrgico de uma perspectiva de 100 anos, vemos as vacilações, as dificuldades, a quase impossibilidade de se firmar projeto nacional que tivesse um apoio mais amplo  das elites brasileiras.  Caso tivéssemos alcançado isso, acredito que teríamos hoje um país muito melhor. Percebi também o que é o capitalismo periférico. O carvão chegava aqui bem mais barato do que era seria possível de se produzir nas minas daqui. Também chegava o sal, a telha, manilhas. Henrique Lage tinha salineiras, que funcionam até hoje, diga-se de passagem, mas o sal importado chegava ao consumidor final a um preço menor. Para construção de Belo Horizonte, como cito no livro, tijolo e telha eram importados. Importavam-se pontes inteiras. Foi preciso uma guerra mundial e a velha e boa política de substituição de importações para que os engenheiros brasileiros ousassem construir pontes de cimento armado. Sempre faltou essa firmeza, essa determinação duradoura de viabilizar um projeto nacional. Isso era, e é muito difícil, porque, como você está na periferia do capitalismo, as pressões são gigantescas. Até Vargas, pelo menos, o país ficou acomodado produzindo café, gerando divisas para poder importar telha e pontes pré-fabricadas. Henrique Lage queria romper essas cadeias, que, em última análise, são as mesmas de hoje.

Voltando ao nosso tempo, você defende a criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela?

Defendo. Foi correta a sua criação. É bom que se diga que os propositores iniciais do Parque do Gandarela queriam criar à sua volta uma região de desenvolvimento sustentável. Dentro do parque, que é área de conservação permanente, você não pode ter qualquer atividade produtiva. Na região desenvolvimento sustentável, você poderia ter atividades sustentáveis como agricultura de subsistência, apicultura, até pecuária e outras atividades, de acordo com um protocolo próprio. Quando começou a exploração da Serra, não existia a noção do patrimônio. Ela era um “patrimônio” pela riqueza de minério de ferro, de manganês, de dolomito, do mármore Gandarela. Está era a visão daquilo ali, um mundo a ser transformado para o consumo humano. A noção moderna de patrimônio de algo que nos enriquece não na transformação, mas pela sua própria existência. Essa noção é moderna. A mineração no Gandarela sempre foi uma mineração meio artesanal. No Quadrilátero Ferrífero, ela é uma das poucas áreas com longas extensões contínuas preservadas. A criação do parque coloca limite na mineração. Não é o único limite, mas é muito importante. A mineração entregue a si própria não tem limites.

Há um projeto de turismo sustentável para o Parque e seus arredores e que seja compatível com mineração?

Em outras palavras, é possível você preservar o patrimônio e, ao mesmo tempo, minerar? Esta é a pergunta real. A minha posição é de que isso é possível e tem que ser feito. Nós temos que achar um equilíbrio entre a proteção ambiental, a preservação do patrimônio paisagístico (e na da Serra do Gandarela, do seu patrimônio espeleológico e histórico), e desenvolvimento econômico, neste caso, com a mineração. Nós  não podemos prescindir da mineração sob pena de um grande debacle econômico. No caso da Serra do Gandarela, turismo sustentável não será suficiente para garantir prosperidade, e não há sociedade viável sem uma certa prosperidade. E a prosperidade não é um conceito próprio. É um conceito integrado com o mundo todo. O Parque é um bom começo. Apostemos todos em um bom acordo entre preservação, mineração, mitigação, compensação.