Regime de Recuperação Fiscal: adiado o embate para 2023

A queda de braço entre Deputados Estaduais de Minas Gerais e Governador Romeu Zema continua, quando o assunto é a recuperação fiscal do Estado de Minas Gerais. O Supremo Tribunal Federal – STF divulgou, no dia 28 de junho, decisão liminar do Ministro Luís Roberto Barroso que obriga Minas Gerais a aderir às contrapartidas do Regime de Recuperação Fiscal – RRF mesmo sem a entrada formal do estado no plano. A liminar também proíbe a criação ou ampliação de novas despesas obrigatórias que precisem ser executadas por, pelo menos, dois anos.

No dia 2 de julho, foi a vez do Ministro Nunes Marques autorizar o Governo de Minas Gerais a tomar as providências necessárias à formalização do pedido de adesão ao RRF junto ao Ministério da Economia, sem precisar de sua formalização por meio de lei aprovada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais – ALMG. O Ministro afirma ter atuado para suprir a omissão legislativa dos deputados mineiros, que não apreciaram o Projeto de Lei 1.202/2019. Deixaram de atender à determinação do Decreto Federal 10.681/2021, que regulamenta exigência da Lei Complementar nº 159/16, de apreciar lei dando autorização para adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (art. 3º, V).

Em sequência decisória, no dia 07 de julho, o Secretário do Tesouro Nacional, Paulo Fontoura Valle, publicou despacho considerando “o Estado de Minas Gerais habilitado para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal”. Isto significa que o Estado de Minas apresentou as condições necessárias que foram apreciadas como procedentes pelo Ministério da Economia nos termos da LC 159/17.

Indiscutivelmente, trata-se da judicialização de um problema de visível natureza político-democrática. Dentre as duas decisões, a do Ministro Nunes Marques afronta, de forma indiscutível, um Poder da República, o Legislativo Mineiro, ao lhe retirar a prerrogativa de aprovar a demandada lei, que autoriza o regime de recuperação, previsão legal esta que, claramente, visa levar à sociedade o debate sob as consequências de possíveis medidas restritivas para as políticas públicas, no contexto de ajuste das contas públicas. É visível que deputados estão se valendo do rito burocrático-legislativo para provocar justamente um processo de negociação sobre os termos em que serão definidas as soluções dos problemas fiscais do Estado ou mesmo se são necessárias tais medidas.

De fato, o Governador enviou a primeira versão de um projeto de lei em outubro de 2019, depois atualizado em março de 2021, cuja tramitação foi retardada pela Presidência da Casa, valendo-se do Rito Covid, que permitiu a aprovação de diversas matérias, apesar do regime de urgência. Em dezembro de 2021, o Executivo Estadual acionou o STF. Em abril, com a aprovação do aumento dos servidores estaduais, o projeto passou, então, a tramitar, travando a pauta de trabalhos do Legislativo a partir do último dia 30 de junho até que ocorra a sua apreciação.

Na esgrima de forças, a Assembleia aprovou, em maio, o PL 3711/22 que autorizava o Poder Executivo a celebrar Contrato de Confissão e Refinanciamento de Dívidas de que trata o art. 23 da Lei Complementar Federal nº 178, de 2021, até o dia 30 de junho último. A lei era dispensável e serviu para os deputados apresentarem uma solução. De acordo com o Dep. Hely Tarquínio, Presidente da Comissão de Orçamento da ALMG,

Na proposta da LC 178, o Estado pagaria cerca de 55 bilhões de reais a menos. Isso porque iniciaria, no primeiro ano, pagando o valor cheio da parcela sem juros de inadimplência enquanto na proposta do regime, o estado teria parcelas aumentando paulatinamente e incidindo juros”. O Governador Zema não seguiu a sugestão.

Além dos aspectos visivelmente politicos que envolvem uma decisão como a do Regime de Recuperação Fiscal, que prevê a possibilidade de aprovação de um conjunto de medidas restritivas para servidores públicos e manutenção e ampliação de serviços públicos, além da privatização de estatais, por um período de 9 (nove) anos, o processo legal da LC 159/17 não prevê que o Executivo Estadual apresente juntamente com o pedido de adesão o Plano de Recuperação Fiscal (art.1º, parágrafo 2º). Este deve ser apresentado apenas ao Ministério da Economia, que inclusive, passará, na prática, a ser o gerente cotidiano da contas do Estado de Minas Gerais. O Dep. Hely Tarquínio foi contundente sobre o conhecimento do plano.

Este Plano já fora solicitado pela ALMG em pelo menos 6 (seis) oportunidades, oficialmente, sem que o Executivo respondesse ou enviasse o referido plano. Até hoje, não sabemos o que o Governo pretende implementar caso haja autorização para aderir ao RRF. O Executivo não revela suas intenções. O que o Governo de Minas deseja é que a ALMG passe um cheque em branco ao Executivo para que este faça o que bem entender, sem que seja discutido o impacto dessas medidas para o cidadão mineiro.

O Ministro Barroso autorizou a “suspensão da execução das contragarantias dos contratos indicados na petição inicial” e “a não inclusão do Estado de Minas Gerais nos cadastros de inadimplência da Administração Federal em razão do não pagamento das parcelas referentes a esses mesmos ajustes”. Nos próximos 12 meses, o Estado de Minas continuará a deixar de pagar a parcela da dívida e o atrasado, situação viabilizada em 2018 pelo Governador Fernando Pimentel.

Na verdade, as exigências da LC 159/17 para Minas Gerais se habilitar à recuperação fiscal são 8 (oito). Dessas, 3 (três) já foram aprovadas: (i) adoção de regras previdenciárias da União, (ii) regime próprio de previdência e (iii) gestão financeira centralizada no âmbito do Estado. O Executivo Mineiro diz ainda que não precisaria (iv) reduzir, ao ano, 20% de incentivos fiscais, que estariam de acordo com as diretrizes do COMSEFAZ – Conselho Nacional de Secretários de Fazenda”. A autorização para se (v) promover leilões de pagamento não é problema para a aprovação. Uma medida que traz benefícios por representar gestão otimizada das contas do estado.

As outras três leis necessárias para habilitar a recuperação fiscal envolvem impacto direto sobre a vida dos mineiros e das mineiras.

A primeira lei delas refere-se à (vi) autorização do Legislativo para o Executivo a vender as participações que possui em empresas estatais. Quais empresas e o montante das ações, seriam disciplinados pelo Plano que o Executivo se nega a fornecer ao Legislativo. Apesar disso, sabe-se, por declarações do Governador Romeu Zema, que CODEMIG, CEMIG e COPASA seriam a prioridades.

A segunda lei trata a revisão do Regime Jurídico dos Servidores do Estado de todos os Poderes (Executivo, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria, Legislativo e outros órgãos e entidades, inclusive dos municípios). Dos benefícios a seguir, três terão de ser extintos:

  1. Adicionais remuneratórios por tempo de serviço (quinquênios, vintenários, etc.)
  2. Conversão de licenças por tempo de serviço (como férias prêmio) em pecúnia (indenizar).
  3. Promoções e progressões por tempo de serviço.
  4. Incorporação das funções gratificadas e cargos comissionados à remuneração dos servidores.

A efetiva adesão ou não ao Regime de Recuperação Fiscal ainda terá capítulos na Assembleia Legislativa, apesar da decisão do Ministro Nunes Marques. Embora trave a pauta, é praticamente certo que os trabalhos legislativos só voltem, de fato, após as eleições. Até o final do ano, os deputados têm, a princípio, que aprovar o orçamento para o próximo exercício. Entretanto, já se precaveram prevendo na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO os mecanismos para entrarem o ano sem a Lei orçamentária aprovada.

Realizadas as eleições, o país entrará em nova conjuntura. Um possível Governador de oposição irá decidir se atua para facilitar a aprovação do RRF e deixar na conta de Romeu Zema ou se aguarda novas diretrizes de um possível Presidente de oposição eleito. Sendo reconduzido, o Governador Romeu Zema terá de se desdobrar para aprovar com os atuais deputados ou enfrentar a Assembleia, que, segundo as pesquisas atuais, terá, a partir de 2023, uma bancada maior de oposição comparada com a atual.