Governo Fuad: gestão orçamentária pró-eleitoral?

Dentre as muitas formulações teóricas que fundamentaram, nos anos 1960/1970, a avassaladora contraofensiva ortodoxa ao ativismo das autoridades macroeconômicas, majoritariamente orientadas naquele momento por abordagens de inspiração keynesiana, uma das mais persuasivas, com certeza, foi a que concebeu a recorrente dominância de interesses estritamente políticos na gestão do orçamento público. Basicamente, a hipótese do “ciclo eleitoral do orçamento” prediz que, nos períodos de eleição, os governantes tendem a elevar os gastos ou a reduzir os impostos – ou ambas as medidas ao mesmo tempo – com a finalidade de assegurar a perpetuação de seu grupo político-partidário no poder.

Essa hipótese, que deve muito aos trabalhos seminais de William Nordhaus (“The political business cycle”, artigo de 1975) e de Edward Tufte (“Political control of the economy”, livro de 1978), é persuasiva, porque, em grande medida, convergiu e buscou dar bases científicas a um pressuposto profundamente arraigado no senso comum a respeito dos políticos, segundo o qual a ação governamental será sempre manipulada por esses atores, em razão de seus projetos estratégicos particulares de controle e de apropriação de parcelas crescentes do excedente social.

Contudo, a extensa literatura teórica e empírica produzida desde os anos 1970 tratando desta hipótese, que está no cerne de arranjos regulatórios que visam coibir a discricionariedade da gestão fiscal, não conseguiu reunir evidências convincentes a respeito da ocorrência de ciclos eleitorais do orçamento público. Os resultados reportados até agora são dúbios, ora comprovando e ora refutando o impulso fiscal em períodos eleitorais.

Para além da controversa acadêmica, as informações disponíveis a respeito da gestão orçamentária da PBH, sob a Administração de Fuad Noman (PSD), recolocam a famosa hipótese do ciclo eleitoral do orçamento em pauta, tendo em vista as alterações implementadas por ele nas diretrizes fiscais do município desde que assumiu o comando da Prefeitura, em março de 2022, sucedendo a Alexandre Kalil (PSD).

De fato, as mudanças efetuadas por Fuad Noman na gestão do orçamento do município foram substanciais, marcando mesmo um movimento de inflexão, apontando para o abandono das diretrizes ortodoxas de acentuada austeridade fiscal, que caracterizaram a Administração de Alexandre Kalil (2017-2021).

Foi a partir do segundo ano de seu governo que Alexandre Kalil decidiu implementar um rígido controle orçamentário. Depois de contabilizar déficit primário de R$ 430 milhões em 2017 em valores reais, a equipe econômica da PBH deu início a um amplo programa de ajustamento fiscal. Diante da queda real das Receitas Primárias superior a 3% em 2018, foram efetuados cortes que resultaram em redução de quase 9% nas Despesas Primárias, também em termos reais. Assim, Kalil logrou promover uma contração fiscal da ordem de R$ 750 milhões, fazendo com que as contas públicas do município voltassem ao azul. Essa diretriz ortodoxa não foi revista nem mesmo em 2020, quando, em razão da eclosão da pandemia global de Covid, Belo Horizonte vivenciou a mais grave crise econômico-sanitária de sua história. Naquele ano, a PBH ampliou o Superávit Primário em mais de 68%, produzindo um resultado positivo de R$ 420 milhões – o que implicou, como contrapartida, em bases de financiamento fortemente restringidas das políticas públicas, uma vez que as despesas primárias cresceram, mas em níveis abaixo do que as Receitas Primárias permitiriam naquele contexto de emergência pública.

Como síntese desse período da administração de Alexandre Kalil, observa-se que, enquanto as Receitas Primárias cresceram a uma taxa média anual de 2,3% entre 2017 e 2021, as Despesas Primárias foram represadas, registrando crescimento médio anual de 0,5% no mesmo período – ou seja, a expansão dos gastos primários correspondeu, em média, a apenas 1/5 da taxa de elevação anual das receitas primárias.

Em março de 2022, Alexandre Kalil renunciou ao cargo de prefeito para concorrer ao posto de Governador de Minas Gerais, dando posse ao seu vice, Fuad Noman. Neste ano eleitoral, a equipe econômica da PBH, sob o comando de Fuad Noman, deu início a um novo padrão de gestão orçamentária. A despeito do medíocre desempenho das Receitas Primárias, que praticamente ficaram estagnadas, as despesas primárias da Prefeitura foram ampliadas, crescendo mais de 5% em termos reais em 2022, comparativamente a 2021. Com isso, houve forte deterioração do Resultado Primário, que teve retração de quase 86% em termos reais – baixou de R$ 796 milhões para R$ 115 milhões no período em referência. Ainda que com menor ímpeto, o impulso fiscal foi mantido em 2023: as Despesas Primárias foram ampliadas em cerca de 6%, mas como as receitas primárias aumentaram pouco acima de 7%, houve uma moderada recomposição do resultado fiscal, com elevação do superávit primário para R$ 279 milhões.

Como síntese desse período de dois anos da administração de Fuad Noman, observa-se que as Receitas Primárias cresceram à taxa média de 3,5% ao ano entre 2022 e 2023, ao passo que as Despesas Primárias foram amplamente impulsionadas no mesmo biênio, registrando taxa média de expansão anual de 2,9% – percentual praticamente seis vezes maior do que o dos anos Kalil (que foi de 0,5% ao ano).

Com base na Lei Orçamentária Anual (LOA) aprovada pela Câmara Municipal, a tendência é de que o impulso fiscal promovido por Fuad Noman seja aprofundado em 2024. Além de embutir um déficit orçamentário previsto de R$ 183 milhões, a LOA deste ano programa Despesas Primárias de R$ 16,8 bilhões, significando aumento superior a 12% em relação às despesas primárias empenhadas em 2023 – percentual três vezes superior à taxa de inflação projetada para este ano.

Com base nesses indicadores orçamentários da PBH, é possível afirmar que, embora não tenha anunciado ainda oficialmente os seus projetos políticos, Fuad Noman assumiu um padrão de gestão claramente característico de todo prefeito que busca a reeleição ou, no mínimo, que visa atuar no sentido de se firmar como ator relevante no palco da disputa municipal, buscando reunir capacidade de incidência decisiva no eleitorado, de modo a habilitá-lo como uma espécie de fiel da balança no processo de sucessão da Prefeitura de uma das principais metrópoles do país. Se assim for, cabe a pergunta: estaríamos, de fato, vivenciando em Belo Horizonte o momento “Nordhaus-Tufte”, do ciclo eleitoral do orçamento público?